A dor de famílias que buscam por parentes desaparecidos há anos no DF

Entre janeiro e dezembro de 2023, o Distrito Federal registrou o desaparecimento de 2.528 pessoas. De acordo com o relatório divulgado pela Secretaria de Segurança Pública, em 85% desses casos o indivíduo foi localizado. Porém, para algumas famílias cujos entes queridos sumiram há mais tempo a angústia de não saber o paradeiro deles já dura mais de 20 anos.

O DF é a única Unidade da Federação que vincula o registro de desaparecimento ao de localização no próprio boletim de ocorrência. Em outras palavras, quando uma pessoa é encontrada, seu registro de desaparecimento é retirado da base e adentra, apenas, nas estatísticas de localização. Dessa forma, a Polícia Civil sabe exatamente quem continua desaparecido na capital.

O Laboratório de Representação Facial Humana do Instituto de Identificação da PCDF desenvolve o trabalho de progressão de idade, que é uma técnica cujo o resultado tem a intenção de demonstrar como seria a aparência atual de uma pessoa após um grande período de seu desaparecimento.

No banco de dados disponibilizado pelo laboratório, existem 19 pessoas sumidas há, pelo menos, 7 anos. Desses, o desaparecimento mais antigo foi registrado em 1995, e o mais recente sem solução é de 2016.

Veja lista com as 19 pessoas desaparecidas há mais tempo no DF que são acompanhados pelo laboratório:


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A dor e a angústia de famílias que aguardam há anos por notícias de um parente desaparecido são indescritíveis. A incerteza do que aconteceu com o ente querido, a esperança de um reencontro e a falta de respostas têm um impacto profundo na vida dessas famílias. O tempo que passa só aumenta a sensação de vazio e a saudade. A busca incessante por notícias ou pistas pode se tornar uma luta diária.

Para os parentes de Ranara Lorrane Alves de Melo, a espera já dura mais de 22 anos. A menina desapareceu em novembro de 2001, aos 10 anos, no Recanto da Emas. Ela saiu da casa da mãe biológica, com destino à residência do pai adotivo, em Taguatinga, mas nunca chegou ao local. Apesar do tempo, os parentes mantêm as esperanças e acreditam que, um dia, ela possa aparecer.

“Meu tio criou ela desde os seis meses de vida, porque a mãe biológica não tinha condições. Mas, mesmo assim, ele sempre fez questão de que Ranara tivesse vínculo com ela. Então, todo fim de semana, a mãezinha ficava com ela e a deixava de volta na casa do meu tio no fim da tarde de domingo”, conta Marielly Neivas, 37 anos, prima de menina.

Do dia do desaparecimento, a mulher falou para a filha que ela podia pegar um ônibus e voltar para a casa do pai adotivo sozinha. “No caminho, ela passou em uma vendinha onde comprou algumas balinhas e depois disso ninguém mais a viu. Ela sumiu que nem fumaça, e aí que começou nosso terror”, diz a prima, que é assistente comercial. 

Confira a entrevista: 

Marielly acredita que a prima sofria algum tipo de abuso na casa da mãe biológica, por isso pode ter decidido fugir. “A gente acredita muito que ela esteja viva, mas também que ela sumiu por conta própria, para não precisar voltar para esse local onde ela sempre falava que não queria ir aos fins de semana. Ela era muito esperta”, afirma. 

De acordo com a assistente comercial, o desaparecimento de Ranara é uma cicatriz que a família  sempre vai carregar.

Hoje, meu tio é depressivo. Pouco tempo depois dela, ele perdeu outro filho. É um assunto bem delicado. Mas a família ainda tem esperança que algum dia ela vai entrar em contato. Meu tio, inclusive, nunca deixou trocar o telefone da loja dele, que é o único número que ela sabia decorado. Por muito tempo, ele até relutou de mudar de casa, achando que ela poderia aparecer”, lamenta. 

Ao longo dos anos, a família chegou a receber denúncias de que a menina teria sido vista em um local de prostituição infantil no Rio de Janeiro, mas a suspeita não se confirmou. Em busca de respostas, os parentes também buscaram centros espíritas.

“É muito surreal. Nos três centros espíritas que fomos, falaram que viam a Ranara em uma região montanhosa, cidade pequena, como se ela tivesse ido pro lado de Minas Gerais, sabe? Viram ela bem casada, já com o filho… A gente torce para que essa seja verdade”, pondera Marielly.


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O que aconteceu com Luiz Alberto?

A aposentada Zuleide de Carvalho, 58 anos, nunca desistiu de reencontrar o filho, desaparecido desde 2005. Luiz Alberto Carvalho dos Santos tinha 13 anos quando foi visto pela última vez, na região do Riacho Fundo.

Na época, a mulher, que trabalhava como diarista, descobriu que o adolescente tinha começado a usar drogas e já não queria frequentar a escola. “Eu fiz o que pude para que ele saísse do mundo das drogas, mas chegou um ponto que eu não consegui controlar mais. Certo dia, ele saiu de casa e nunca mais voltou”, relembra.

Sem qualquer despedida, Zuleide entrou em uma busca interminável pelo filho caçula. “Eu fui em tudo que era lugar atrás dele. Até em algumas cidades goianas. Depois de um tempo, entrei em depressão, tentei me matar. Acordava no meio da noite achando que ele tinha voltado. Eu via ele no rosto das pessoas na rua. Até hoje é uma dor o desaparecimento do Luiz”, diz. 

Mesmo despois de 18 anos sem notícias de Luiz, a mulher não perde a esperança de vê-lo novamente, nem deixa que a família se esqueça dele. Zuleide também sempre permaneceu no mesmo endereço onde mora e imagina que o filho saiba onde encontrá-la.

“Para mim, ele tá vivo. Em algum lugar. A maior dificuldade é que ele não tinha documento de identidade, não tem nenhum registro. Eu vou contando aos netos e bisnetos, mostrando foto, para que eles saibam do Luiz. Antigamente eu chorava muito por causa do desaparecimento, mas hoje eu já consigo falar sobre”, comenta.

Progressão de idade dos desaparecidos

O Laboratório de Representação Facial Humana do Instituto de Identificação da Polícia Civil do Distrito Federal desenvolve o trabalho de progressão de idade após longo período de desaparecimento de uma pessoa. A técnica de crescimento e envelhecimento facial é aplicada em imagens de pessoas que tenham desaparecido há pelo menos três anos, quando se tratar de crianças, ou há cinco anos, quando os desaparecidos forem adolescentes ou adultos.

Ao Metrópoles o chefe do laboratório, Vitor Zago, ressaltou que a progressão de idade é de fundamental importância principalmente nos casos de crianças desaparecidas, pois com o passar dos anos, os rostos dos menores de idade sofrem modificações provocadas pelo processo natural de crescimento facial.

“A ideia principal de uma progressão de idade é divulgar para a sociedade, primeiramente, atentar-se ao fato de que tem uma criança desaparecida e que nunca foi encontrada. De repente, o vizinho de algum cidadão tem uma história um pouco diferente e ele tem alguma semelhança com essa pessoa desaparecida. A gente pede que a população ajude a identificar essas crianças. Depende muito de um apoio comunitário para fazer esse trabalho ter efetividade”, destaca Vitor. 

Conforme explica o artista forense, a progressão de algum desaparecido é solicitada pela delegacia responsável pela investigação do caso. A técnica é desenvolvida a partir de estudos que levam em consideração a face e traços da família daquele ente sumido, o padrão de crescimento dele e o estilo de vida que levava antes de desaparecer, por exemplo.

“Na hora de fazer a progressão, a gente vai colocar roupas mais adequadas para a situação que a pessoa estava vivendo, até a forma como penteava o cabelo vai influenciar nisso também. A gente leva tudo isso em consideração pra tentar adivinhar como essa pessoa está hoje, porque, por mais que usemos recursos científicos, de como o crescimento facial acontece, existem muitas variáveis, e a gente tenta imaginar o cenário mais perto do real para acertar na progressão dessa pessoa”, detalha o chefe do laboratório. 

Vitor ainda destaca que, além de fotos da pessoa desaparecida, fotografias dos parentes da pessoa também podem ajudar nos trabalhos do laboratório. “Infelizmente, a maioria desses pessoas é muito carente, então as imagens são muito escassas. Às vezes, a pessoa só tem uma foto 3 x 4 antiga. Nesse casos, fotos dos familiares também podem ajudar a fazer um estudo da fisionomia”, comenta. 

No entanto, em alguns casos, as famílias não autorizam mais a realização da progressão, pois ficam desacreditadas que podem reencontrar o ente algum dia.

“Tem muita família também que, depois de um tempo, não quer mais ser incomodada com esse assunto. Já tiveram algumas assim, porque sempre que a gente vai fazer uma atualização, entramos em contato com a família para saber se voltou, se autorizam fazermos uma nova imagem. E, assim, é grande o número de famílias que realmente já aceitaram a perda”, lamenta. 


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Protocolo de tratamento de pessoas desaparecidas

O Procedimento Operacional Padrão (POP) da PCDF, publicado em 18 de dezembro de 2023, objetiva agilizar diligências e investigações no intuito de localizar rapidamente as pessoas desaparecidas, além de protegê-las de situações de risco à integridade física e mental ou mesmo de se tornarem  vítimas de crimes.

O documento ainda tem a finalidade de padronizar e agilizar o trabalho policial em todas as delegacias de polícia nos casos de notícia de desaparecimento.

Assim, o registro de desaparecimento deve ser realizado imediatamente, independentemente do local onde a pessoa foi vista pela última vez. Essa mudança é importante para que as investigações sejam iniciadas o mais rápido possível.

Nos casos que envolvem crianças e adolescentes, o Conselho Tutelar também dever ser acionado. Se a pessoa desaparecida utilizava algum veículo, o Detran-DF pode ser consultado para rastreio. Havendo suspeita sobre o comunicante ou outro indivíduo, há a possibilidade do encaminhamento ao IML para a coleta de amostra de vestígios.

Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) é responsável pelo Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (PLID), com atribuição para coletar informações de pessoas desaparecidas e/ou vítimas de tráfico de seres humanos, registrar no sistema nacional e promover ações de busca e identificação de pessoas desaparecidas.

A promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Enfrentamento à Discriminação, Polyanna Silvares de Moraes Dias, explica que o cadastro é fundamental na busca ativa por pessoas desaparecidas e em potencial de desaparecimento.

“Uma família foi até a delegacia e registrou uma ocorrência policial de que o filho está desaparecido, e a delegacia fez o cadastramento no sistema nacional. Digamos que uma pessoa sem documento deu entrada no hospital e a equipe também fez esse registro no sistema por ela estar em potencial situação de desaparecimento. Na hora há um cruzamento de informações e o policial lá da delegacia vai poder falar pra família que provavelmente é o filho dela no hospital, e aí a gente vai viabilizar essa encontro pra tentar reconhecer essa pessoa”, exemplifica a promotora.

No entanto, na avaliação da promotora, não há um protocolo que preveja a participação de todos os atores do Estado nesse cadastro no sistema nacional, o que pode impactar na localização dessas pessoas desaparecidas.

“Hoje a porta de entrada principal pra esse cadastro é o Ministério Público. São as pessoas que vem até o MPDFT para solicitar esse registro. Eu entendo que o mais urgente hoje é que o GDF faça um esforço para organizar e efetivar  um protocolo transversal que trate mesmo da política do desaparecimento no Distrito Federal”, salienta.

A promotora de Justiça enfatiza a importância de conhecer o perfil das pessoas que desaparecem na capital e o motivo delas sumirem. “Sabendo desses dados, o Estado pode trabalhar melhor em políticas governamentais para combater e localizar de uma forma mais célere”, afirma.

Por isso, quando uma pessoa é encontrada, é preciso retornar à delegacia para que sejam colhidas informações sobre o sumiço. Esses dados auxiliam o Estado na construção de política pública e na elaboração de mecanismos de localização de outros desaparecidos.

Além do Plid, o MPDFT oferece um programa de acolhimento para familiares e amigos que vivem com a dor da ausência. O “Reconstruir vidas” proporciona rodas de conversas e escuta ativa para compreender cada situação e, assim, trabalhar da melhor forma para solucionar os casos.

Amber Alert

O programa Amber Alert é um sistema de alertas urgentes estabelecido nos Estados Unidos – e adotado pelo Brasil – que é ativado em alguns casos de rapto ou sequestro de crianças.

A plataforma foi criada em uma parceria do Ministério da Justiça com a Meta para auxiliar nas buscas. Este sistema dispara publicações nas plataformas da Meta para anunciar a descrição da criança sequestrada, além de descrições de qualquer indivíduo suspeito de envolvimento no crime.

Quando uma criança desaparece ou é sequestrada, o Amber Alerts é ativado e um comunicado especial é encaminhado às plataformas da Meta para publicar o alerta no raio de até 160km do local do fato ocorrido.

O projeto deve ser estendido para atender todo o território nacional de forma gradual. Por enquanto, o Amber Alert cobre apenas três unidades federativas: Ceará, Minas Gerais e Distrito Federal. Segundo a Meta, o sistema já é utilizado em 30 países.

Como ajudar

Caso alguém tenha informações sobre um desaparecido, entre em contato com a polícia pelo 197. O sigilo é absoluto. A PCDF também pode ser contatada pelo:

  • WhatsApp: (61) 98626-1197
  • E-mail: [email protected]
  • 197 Denúncia On-line: www.pcdf.df.gov.br/servicos/197

 

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