Opinião: Como o hype pode ser uma alternativa ao vale tudo das redes sociais

Quando o assunto é relacionado à cultura, arte, e ao universo do entretenimento, o hype é a palavra mais recorrente. Há alguns anos, o universo da arte convive com este conceito e seus efeitos colaterais. Ao pesquisar o significado e origem desta palavra, é possível encontrar uma simples explicação: hype é a abreviação da palavra hyperbole. Em inglês significa exagero (hipérbole). O conceito é usado em diversas ocasiões em que é mencionado, algo que se popularizou ou melhor hypou.

Sendo assim, parece que o hype substituiu a palavra pop (de “popular”)? Não necessariamente.

O hype pode indicar algo que é popular, chancelado pela mídia e por pessoas influentes do mercado. E também artistas e produtos que ainda não têm números expressivos, mas de alguma forma atraíram uma espécie de selo de aprovação.

Para poder entender os efeitos que isso causa na arte, no processo de produção e no comportamento do público é preciso compreender que o exagero se potencializou com a chegada do digital, principalmente das redes sociais. Hoje qualquer pessoa pode ser produtora de conteúdo e também (pseudo) crítica de arte, independentemente de ter ou não formação e/ou embasamento para tal. E é aí que mora o perigo, principalmente quando os espaços de construção de pensamento crítico ocupados por profissionais capacitados são cada vez mais escassos. Gostos pessoais de influenciadores ditam consumo. Um post de um perfil com muitos seguidores no Instagram ou no tiktok pode encurtar o caminho entre um artista emergente e a fama, sem que a qualidade artística seja levada em consideração. Seria então uma volta à ditadura dos jabás? Este texto não vai responder a esta pergunta, mas tem a pretensão de ir um pouco mais além.

A internet nos dá a falsa impressão de democratização de conteúdo porque, em teoria, “todos” têm acesso a ela. De um ano para o outro, qualquer artista passou a ter nas mãos o poder de lançar suas músicas, sem grandes investimentos e contratos, prensagens e distribuição dos discos. No entanto, cerca de 120 mil faixas são lançadas por dia nas muitas plataformas digitais, segundo relatório da empresa Luminate, datado de junho de 2023. Para este ano, especialistas apontam que a Inteligência Artificial vai inflar ainda mais este volume. Ou seja, a concorrência é muito grande e cada vez maior. E, em meio a tantos lançamentos, a busca pelo sucesso torna-se mais desafiadora. É exatamente aí que o hype entra como uma ponte, entre artistas emergentes e/ou consagrados que ainda não saíram da bolha de seu gênero musical e o reconhecimento nacional. O hype é como o selinho verificado do Instagram, que permite a quem o tem ser tratado como prioridade, se comunicar mais facilmente com outros artistas, independente da forma como o conseguiu –através da sua qualidade artística ou se pagou por ele.

E qual a novidade? Talvez a forma superficial e ilusória que se dá a relação entre o hype e os artistas. Ou ainda como a trajetória do artista antes de se tornar hypado seja descartada. Indo um pouco mais longe, o esforço que os artistas fazem, inclusive adaptando a sua arte, a sua maneira de se vestir e de ser, para fazer parte deste circuito.

Se por um lado, é interessante ver como o rap e o funk furaram a bolha e alcançaram novos públicos de consumo promovendo, pela primeira vez ( salvo raras exceções, como é o caso do grupo Racionais MC’s), artistas independentes ao mainstream, por outro, é possível perceber algo similar a uma apropriação cultural pela branquitude que majoritariamente forma o hype. A partir do momento que aquele artista é descoberto pelo clã – seja pelo discurso, pela maneira de se vestir ou por figurar nos refrões de um medalhão da MPB -, ele é automaticamente “destacado” de seu grupo, e passa a ser um objeto de mais-valia, onde todos querem estar próximos, sair juntos nas fotos. Sua arte é aprovada por mídia e influenciadores, e ele passa a ser o escolhido da vez. Passa a ser hype e a transitar no meio de outros hypados. Enfrenta ainda uma pressão gigantesca para se tornar um influencer, e dedicar parte de seu tempo criando conteúdos que não tem nenhuma relação com sua arte. Este movimento muitas vezes causa um esvaziamento da própria criação artística. Para seguir no hype, as produções passam por uma pasteurização e geralmente perdem os ingredientes que fizeram com que àquele artista se destacasse no início. A cultura fica oca.

Que o artista desfrute deste momento, ok. O grande problema é a invisibilidade que todas as pessoas que não se encaixam nestes pré requisitos ganham, requisitos estes que não tem nada a ver com a arte e algumas vezes nem com a popularidade. A mídia e os formadores de opinião tratam como se só os “artistas verificados” existissem.

Quantos artistas, pessoas geniais, estamos deixando passar ao nosso lado porque não se vestem do jeito x, y ou z?

O hype é só mais uma maneira que pessoas da mesma cor, gênero e orientação sexual encontraram para, a partir das mudanças inevitáveis do mercado, se manterem no poder ditando as regras. Cabe a nós entendermos qual a força somaremos neste movimento excludente e elitista.

E aí, bora hypar este texto e compartilhar um montão?

*Heloísa Aidar é Diretora Executiva da BOA Music Publishing e Mariana Paulino é Label Manager de Urban da Altafonte Brasil

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