No último dia 30, uma usuária de celular iPhone publicou o seguinte comentário sobre um aplicativo com classificação etária de 12 anos na AppStore, da Apple: “Vídeos de crianças tendo relações sexuais com adultos, se sexualizando. É tudo explícito!!! Estou enojada”. Duas semanas antes, um usuário de aparelho Android escreveu na PlayStore, da Google: “Dentro do app tem pornografia, pedofilia. Não baixem a menos que queiram ter traumas”. O aplicativo gratuito e de fácil acesso, feito especificamente para crianças e adolescentes, é o Project Z, cenário virtual de diversos crimes reais e que está na mira da Polícia Federal.
A coluna usou o Project Z nesta semana. Pouco tempo de navegação foi o bastante para constatar venda de pornografia, menção a pedofilia, pedidos de fotos íntimas e outros conteúdos ilegais no aplicativo que se diz criado “para a geração Z [adolescente] compartilhar interesses, explorar comunidades e ser criativa”. A plataforma é da empresa Supersymmetry, de Singapura.
Depois de uma busca rápida nas lojas de aplicativos da Apple e do Google, é simples baixar gratuitamente o Project Z. Com temática espacial, em meio a planetas, estrelas e raios, o programa estimula o uso de desenhos e apelidos no perfil de cada usuário. Basta informar uma idade, escolher um personagem infantilizado, um interesse como história em quadrinhos e um pseudônimo para começar a ter conversas privadas e coletivas que parecem não ter qualquer moderação por parte do aplicativo. Para denunciar qualquer conteúdo, o processo é mais burocrático do que nas principais redes sociais: é preciso enviar um print de uma imagem imprópria, além de um texto detalhando os motivos.

Project Z: app para jovens estimula pedofilia e é investigado pela PF
Reprodução

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Nos primeiros conteúdos na linha do tempo, a usuária “belinha triste”, cuja foto é parte do rosto de uma adolescente, anunciou: “Vendo conteúdo para maiores de 18”, em linguagem cifrada, com números no lugar de certas letras. Alguns segundos depois, uma conversa privada foi aberta, e logo surgiu uma tabela de preços: R$ 7 para cinco fotos; R$ 10 para três fotos e um vídeo; R$ 25 para cinco vídeos e três fotos, entre outros. Em seguida, a usuária anônima enviou o link de um grupo público no Telegram com as “prévias”. “Se gostar, me chama para comprar”. As imagens mostram seios, vagina e nádegas, aparentemente de uma jovem.
Também é possível pesquisar grupos. O padrão é o mesmo: pessoas usando perfis de desenhos infantilizados e apelidos incompreensíveis. “Só entre se estiver procurando um papai real. Em busca de uma garotinha baby e submissa. Não é para RPG [jogo online]”, afirma descrição do grupo “Daddy & Dominador”, com 164 integrantes. A foto é de uma adolescente sendo segurada agressivamente por um homem. O dono do grupo é intitulado “user6384”, com uma foto vaga de um homem escondendo o rosto.
Nos grupos, é comum um usuário postar uma foto aguardando por curtidas para começar conversas individuais. A promessa clara é enviar fotos íntimas para quem curtir. Em outro fórum, um usuário adolescente mostrou um print de uma conversa em que reagiu a uma abordagem abusiva: “Bota pra fora”, disse o usuário “Galvão”, também com foto superficial. O adolescente respondeu: “Você é bem engraçadinho, né”. A resposta foi: “Sou mesmo. Você gosta?”. Com alguns cliques, qualquer usuário se depara com pedidos sexuais impublicáveis, geralmente acompanhados de desenhos infantis.
Mensagens de teor nazista e racista
A pesquisadora Michele Prado, experiente em monitorar conteúdos extremistas, fez uma análise detalhada do app e identificou outros crimes. Além de pedofilia e pornografia, apontou mensagens de teor nazista, racista e que estimulam suicídio e atentado em escolas. Tudo enviado por pessoas escondidas atrás de nomes e fotos anônimos no Project Z. O relatório foi encaminhado em 6 de abril para a Polícia Federal, Ministério da Justiça, Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e Ministério dos Direitos Humanos. A conclusão da pesquisadora: o Project Z deve ser banido ou, pelo menos, ativamente monitorado.
“Enquanto estou conversando com você, abri o aplicativo e me deparei com um símbolo nazista”, afirmou Prado à coluna. “Depois de receber o relatório, a Polícia Federal me informou ter derrubado links e aberto uma investigação. O Ministério da Justiça e a Abin me responderam que monitoram o app”, acrescentou. Autora do livro “Tempestade ideológica” e pesquisadora da Social Change Initiative, na Irlanda, Michele Prado apontou o Project Z como novo local de ex-usuários do Discord, plataforma de jogos com conteúdo impróprio que no ano passado foi alvo de investigações da PF. “Mesmo com uma rede de predadores sexuais estabelecida, o Project Z segue acessível na AppStore e na PlayStore para qualquer criança. Os crimes continuam acontecendo. Encontrei um link com 1.400 arquivos de pedofilia”.
Procurada, a Supersymmetry, responsável pelo aplicativo, não respondeu, assim como o Google, a Apple e o Ministério da Justiça. O espaço segue aberto a eventuais manifestações.
A Polícia Federal afirmou que tem investigações relacionadas ao Project Z por “compartilhamento de material de abuso sexual infantil e discursos de ódio”. “Aparentemente, criminosos estão migrando de outras plataformas para esse aplicativo pela facilidade que este tem para criar contas e conectar os usuários com estranhos. É importante que a plataforma adote medidas e crie mecanismos proativos para detectar, banir e notificar condutas criminosas que ocorrem em sua rede”, afirmou a PF.
A Abin afirmou que no ano passado fez um guia para prevenir ataques violentos em escolas. O Ministério dos Direitos Humanos afirmou que encaminha as denúncias para a Justiça, e que não comenta os casos.