Encargos trabalhistas pagos por empresas superam 100% do valor dos salários no Brasil

 

Os encargos trabalhistas custeados pelas empresas no Brasil superam os salários pagos para os empregados. De acordo com estudo do professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), José Pastore, o custo chega a 103,7% das remunerações.

O cálculo considera tudo que as empresas gastam com obrigações sociais, entre elas as contribuições para a Previdência, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e salário educação, e despesas com o tempo em que o empregado não está trabalhando, como férias e décimo terceiro salário.

Para a contratação de um trabalhador com salário de R$ 2.287 na indústria — remuneração média para um indivíduo com ensino médio completo —, as empresas gastam R$ 2.371,62 com encargos.

Pastore observa que praticamente todos os custos são fixos e compulsórios. Na prática, os encargos representam um bloqueio à expansão do emprego formal e ao aumento de salários, além de um estímulo ao emprego informal. “O Brasil fica, assim, numa situação em que os trabalhadores ganham pouco e custam muito”, diz o especialista.

Tributação perto da carga máxima de países da OCDE

Considerando apenas os impostos sobre os salários e contribuições à seguridade social, a tributação no Brasil está perto da carga máxima cobrada em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conforme levantamento do Estadão com dados de 42 nações divulgados pela instituição.

As empresas brasileiras pagam 25,8% de impostos sobre os salários dos empregados e contribuições à seguridade social, segundo a organização. Em uma relação de 42 membros da OCDE e economias parceiras, a tributação fica atrás apenas da França e supera a de países ricos e desenvolvidos, como Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha.

É como se o Brasil cobrasse o mesmo nível ou até mais impostos do que países com renda mais alta e com maior produtividade. Para especialistas, uma tributação alta limita a criação de empregos formais e é uma das explicações para o nível de informalidade dos empregados e para o fenômeno conhecido como “pejotização” (contratação excessiva de serviços sem vínculo empregatício).

A comparação foi feita com dados de 2019, último ano em que a OCDE publicou dados sobre o Brasil. Os índices mais recentes, divulgados em 2023 e restritos a membros da organização, têm variações menores que um ponto porcentual e não alteram o cenário. O número não inclui tributação sobre a renda, impostos pagos diretamente pelo trabalhador e encargos sobre férias e décimo terceiro salário.

Em comparação ao salário médio dos trabalhadores, o que se cobra no Brasil (25,8%) fica acima da média dos países membros da OCDE (13,8%) e de nações ricas como Alemanha (16,5%), Reino Unido (9,8%), Estados Unidos (7,6%), além de países em desenvolvimento como China (22,1%) e México (10,4%). Alguns países, como Nova Zelândia e Chile, não cobram impostos sobre a folha salarial, mas focam em cobrar tributos sobre a renda do trabalhador.

“Em termos relativos, os encargos trabalhistas no Brasil são semelhantes aos de países desenvolvidos que têm mercado de trabalho mais regulado, superiores aos países desenvolvidos mais liberais e aos da maioria dos países em desenvolvimento para os quais se dispõe dessa informação”, afirma o consultor do Senado Federal e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Luiz Ricardo Cavalcante. Ele observa que a tributação no Brasil se dá sobre salários mais baixos que em outros países, mas que ainda superam países como China e Índia.

Segundo o economista Robson Gonçalves, professor do MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV), a carga sobre os salários no Brasil fica entre 55% a 60% quando são somados custos como o décimo terceiro salário e as contribuições para o sistema S.

“O oneração da folha é um dos vetores do Custo Brasil. Produzir e empregar no Brasil é caro e não deveria ser. Deveríamos ter oneração sobre o consumo e a renda, não sobre a produção e a geração de emprego”, diz Gonçalves. “A oneração pode pressionar algumas empresas a precarizar e sonegar, adotando uma conduta de fugir dessa oneração por meio da informalidade.”

Entenda a desoneração da folha

No Brasil, empresas de 17 setores da economia contam com desoneração da folha salarial, pagando impostos menores sobre a Previdência Social. A desoneração foi criada em 2011, no governo Dilma Rousseff, tendo sido prorrogada em todos os governos posteriores.

A medida substitui a contribuição previdenciária patronal de 20% incidente sobre a folha de salários por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Ela resulta, na prática, em redução da carga tributária da contribuição previdenciária devida por milhares de empresas que empregam mais de 9 milhões de pessoas.

No ano passado, a Câmara e o Senado aprovaram a prorrogação do benefício, até 2027, por ampla maioria: na Câmara, foram 430 votos favoráveis e 17 contrários; enquanto no Senado o tema foi aprovado em 10 minutos, por meio de votação simbólica.

Na sequência, a lei foi vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o veto foi derrubado por placares igualmente folgados. No Senado, 60 senadores votaram pela derrubada, e 13 pela manutenção. Já na Câmara, foram 378 votos pela derrubada e 78 para sustentar o veto.

Na virada do ano, o governo editou uma Medida Provisória limitando o benefício fiscal. A alíquota menor ficaria restrita a trabalhadores que ganham um salário mínimo, com redução gradual até 2027.

As negociações com o Congresso então recomeçaram com a proposta de um novo projeto de lei. Parlamentares avaliaram, então, que, se quisesse votos, o governo teria de ceder e se aproximar mais da proposta original do Congresso. O projeto não avançou, o governo passou por cima da decisão do parlamento e recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF).

O relator, ministro Cristiano Zanin, acatou a ação protocolada pelo governo e suspendeu a desoneração. O julgamento, no entanto, foi paralisado após pedido de vista do ministro Luiz Fux, que tem até 90 dias para devolver o processo. Até a suspensão, havia cinco votos favoráveis ao governo — ou seja, faltava apenas um para formação de maioria.

Na quinta-feira (9), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmaram que fecharam um acordo sobre a tributação dos 17 setores econômicos atendidos pela política de desoneração da folha de pagamentos.

Pelo acordo, as empresas não serão tributadas neste ano, e um escalonamento da cobrança começará a valer no ano que vem e se estenderá até 2028. A tributação sobre a folha de pagamentos do 13º salário só ocorrerá no último ano.

Veja os 17 setores afetados: Confecção e vestuário; Calçados; Construção civil; Call center; Comunicação; Empresas de construção e obras de infraestrutura; Couro; Fabricação de veículos e carroçarias; Máquinas e equipamentos; Proteína animal; Têxtil; TI (tecnologia da informação); TIC (tecnologia de comunicação); Projeto de circuitos integrados; Transporte metroferroviário de passageiros; Transporte rodoviário coletivo; Transporte rodoviário de cargas.

Fonte: Estadão

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