Cancelamento de Ivete e Ludmilla é visto como tragédia anunciada

No mercado do showbiz, o cancelamento das turnês de Ludmilla e Ivete Sangalo é considerado uma tragédia anunciada. Havia um otimismo exagerado da produtora 30e por conta do sucesso da turnê “Encontro”, dos Titãs. A busca pela próxima turnê vitoriosa acabou por criar uma sucessão de erros.

 

Ivete Sangalo foi um deles. Uma das maiores intérpretes do país, ela deu o pontapé inicial na turnê em comemoração dos 30 anos de carreira numa apresentação no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. As vendas foram uma decepção. Há notícias de pessoas ligadas à produção do show que foram a um shopping da cidade distribuir ingressos para o público. Ainda assim, a turnê havia sido mantida. Os resultados foram catastróficos. Para se ter uma ideia, o pontapé inicial seria na Arena Manaus, que tem capacidade para 44.000 pessoas. Pouco mais de 2.500 ingressos haviam sido vendidos. Em Presidente Prudente, foi pior: não passaram de cem ingressos (isso mesmo: CEM INGRESSOS!)

 

Ludmilla foi outro caso. Estima-se que ela teria recebido um adiantamento de R$ 2 milhões a R$ 3 milhões para fazer a turnê “Ludmilla in the House” pela 30e. Foi um fracasso. As dez apresentações programadas acabaram virando duas e, hoje, nenhuma. Os shows foram marcados para locais que abrigariam entre 10 mil e 20 mil pessoas. Não passaram de 500 bilhetes vendidos. “A 30e comprou Ludmilla e achou que tinha o ‘Numanice’”, diz uma fonte do showbiz em off para a Billboard Brasil, referindo-se à bem-sucedida turnê anterior da cantora.

 

Segundo especialistas no mercado musical ouvidos pela Billboard Brasil, a sensação de que essas grandes turnês podem dar certo, criada por algumas exceções que de fato funcionaram, faz com que as empresas apostem sem ter garantias. A gigantesca turnê dos Titãs, promovida pela 30e, foi um desses casos. A série de shows em celebração dos 30 anos do Soweto é outro. 

 

“Ajuda a criar a ilusão. Mas é uma em um milhão. Colocar Titãs em estádio foi um golaço, mas é preciso tomar cuidado com o resto. Nem tudo funciona como Sandy e Junior”, afirma outra fonte que não quis se identificar, citando o sucesso da turnê promovida pelos irmãos.

 

Outro ponto de irresponsabilidade apontado pelos especialistas é o alto investimento em produção, normalmente sem um teto determinado, o que faz com que os shows saiam muito caros. “Se você fecha com um artista, mas não impõe limites na planilha, ele vai querer gastar muito e ter o máximo de produção. Às vezes, você enche o estádio e ainda assim não paga a conta.” 

 

Essa mecânica faz com que as produtoras trabalhem muitas vezes com dívidas, e aí adiantem verba de bilheteria para cobrir buracos –o que só empurra o problema adiante e faz com que ele cresça, num ciclo sem fim aparente.

É bom salientar que não há santos nessa história. As duas cantoras sabiam da baixa venda de ingressos. Em casos como esse, a produtora parceira tenta redimensionar a turnê para que não haja prejuízo para ambas as partes. E eram shows muito, mas muito caros. “Sabe o vôo da Ivete? É uma tecnologia importada. Provavelmente sairia caro demais”, diz um empresário ligado à Billboard Brasil. O aponta uma certa “coincidência” com o fato delas terem postado o cancelamento de suas turnês quase ao mesmo tempo. “No texto, Ivete começa falando em transparência. Só esqueceu de comentar que a turnê não estava rendendo. Não seria mais justo admitir sua parcela de culpa nisso?”

 

E a venda de ingressos? 

 

É preciso levar em consideração a falta de interesse do público e o dinheiro limitado para comprar ingressos. O IBGE divulgou uma pesquisa em que o salário médio do trabalhador paraense aparece entre um dos menores de toda a região Norte, com média de R$ 2.250. Os ingressos para assistir a Ivete e Ludmilla iam de R$ 150 a R$ 3.000 por cabeça. Isso num país em que a inflação está por volta de 4% ao ano.

 

O fracasso dessas turnês afetará os festivais? 

 

Tudo indica que sim. “Nenhum estado brasileiro tem capacidade financeira para ter Lollapalooza, Primavera Sound e The Town num mesmo ano. O próprio Rock in Rio já começa com uma noite brasileira visando atingir outro público. Temos um fenômeno acontecendo no Rio, onde aquela fórmula de festivais com artistas nacionais parece não estar dando certo. Um fez, e surgiram mais dois ou três iguais. E aí nenhum tem o mesmo resultado. Acho que vai demorar uns dois anos até que tenhamos uma acomodação do mercado”, diz a fonte ligada à Billboard Brasil.

 

Lud e Ivete: entenda o caso

 

As duas cantoras anunciaram, nesta quarta-feira (15), o cancelamento de suas respectivas turnês, que aconteceriam ainda neste ano. Fãs já podem pedir o reembolso clicando aqui.

 

Ivete iria viajar o Brasil com “A Festa”, turnê para celebrar os 30 anos de carreira. Seriam 30 shows em 30 cidades diferentes, que começariam em 29 de junho.

 

Já Ludmilla estava programada para se apresentar com a turnê “Ludmilla in the House”, que comemoraria seus 10 anos de estrada. O primeiro show seria em 25 de maio, no Rio de Janeiro.

 

Ambas as cantoras emitiram comunicados para explicar a decisão –e ambas responsabilizam a 30e pelos problemas. Ludmilla alega que houve o não cumprimento de itens que já haviam sido acordados com a produtora , e Ivete aponta que não houve um planejamento adequado, também pactuado em contrato.

 

Ivete Sangalo: “Mas a realização de um projeto dessa magnitude exige a mobilização de uma estrutura complexa, que só se viabilizaria se houvesse um nível de planejamento e organização adequados, que garantissem, com a antecedência necessária, todas as condições prometidas, esperadas e pactuadas em contrato”.

 

Ludmilla: “A decisão foi tomada mediante o não cumprimento por parte da produtora responsável pela turnê das condições previstas no pré-contrato para a viabilidade dos shows planejados há meses”.

 

O que diz a 30e

 

Em comunicado oficial, a empresa alegou “surpresa” e lamentou a decisão “unilateral” das cantoras. Leia na íntegra.

 

“A produtora lamenta, mas respeita a decisão unilateral das artistas e esclarece que, em nenhum momento, avaliou o cancelamento das duas turnês. Em relação à turnê “Festa”, por questões de demanda, a empresa propôs à artista e sua equipe uma readequação da estrutura e produção e foi surpreendida com o comunicado publicado. Em relação à turnê “Ludmilla in the house tour”, não houve nenhuma negociação anterior à decisão exclusiva da artista, e seu comunicado. A 30e divulgará o mais breve possível os procedimentos relacionados ao reembolso para os fãs que já haviam adquirido ingresso.

 

Com mais de três milhões de pessoas impactadas anualmente pelos eventos que promove, realiza e produz, a 30e pode afirmar sua integral capacidade para cumprir seus compromissos com seus clientes, parceiros e patrocinadores, e informa que as demais turnês anunciadas estão confirmadas e ocorrerão.”

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