Sobre o que é O Avesso da Pele, livro censurado por diretora no RS

A obra O Avesso da Pele, vencedor do Prêmio Jabuti 2021 e escrito por Jeferson Tenório, foi parar entre os 10 livros mais vendidos da Amazon Brasil após ser vítima de censura em uma escola de Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do sul, por linguagem de “baixo-calão”.

O Avesso da Pele é a história de Pedro, que, após a morte do pai, assassinado numa desastrosa abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos. Com uma narrativa sensível e por vezes brutal, Jeferson Tenório traz à superfície um país marcado pelo racismo e por um sistema educacional falido, e um denso relato sobre as relações entre pais e filhos.

O que está em jogo é a vida de um homem abalado pelas inevitáveis fraturas existenciais da sua condição de negro em um país racista, um processo de dor, de acerto de contas, mas também de redenção, superação e liberdade.

Capa do livro O Avesso da Pele - Metrópoles
A obra O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, foi lançado pela Companhia das Letras em 2020 e conta com 192 páginas. A obra pode ser encontrada por R$ 51 na Amazon em formato físico, e por R$ 11,96 em e-book.

Censura no RS

O livro foi alvo de polêmicas após ser selecionado pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) para professores e estudantes de escolas públicas de todo o país. Tudo começou após Janaina Venzon, diretora da Escola Ernesto Alves, em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, publicar um vídeo criticando a obra de Tenório. Nas imagens, ela destaca trechos de O Avesso da Pele com “vocabulários de baixo nível”.

“Lamentável o Governo Federal através do MEC adquirir esta obra literária e enviar para as escolas com vocabulários de tão baixo nível para serem trabalhados com estudantes do ensino médio”, escreveu ela na legenda do vídeo.

 

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“Solicito ao Ministério da Educação buscar os 200 exemplares enviados para a escola. Prezamos pela educação dos nossos estudantes e não pela vulgaridade”, completa Janaina Venzon, esclarecendo que “os professores e a escola não escolheu nenhuma obra literária”.

O vereador Rodrigo Rabuske (PRD) também publicou um vídeo em suas redes sociais definindo como “absurdo” o uso de O Avesso da Pele em escolas.

Vale lembrar que as obras passam por triagem técnica, física e pedagógica feita por especialistas, além de necessitar da necessidade de análise de professores. O registro das obras escolhidas é feito pelo diretor da escola.

Editora e autor se pronunciam

Responsável pela publicação do livro O Avesso da Pele, a editora Companhia das Letras divulgou uma nota em suas redes sociais onde manifesta “indignação diante da repercussão do vídeo feito pela diretora de uma escola de Santa Cruz do Sul (RS), que acusa o livro de conter palavras de “baixo calão”.

“A retirada de exemplares de um livro, baseada em uma interpretação distorcida e descontextualizada de trechos isolados, é um ato que viola os princípios fundamentais da educação e da democracia, empobrece o debate cultural e mina a capacidade dos estudantes de desenvolverem pensamento crítico e reflexivo”, diz o comunicado.

A editora ainda alega: “Repudiamos veementemente qualquer ato de censura que limite o acesso dos estudantes a obras literárias sob pretexto de protegê-los de conteúdos considerados ‘inadequados’ por opiniões pessoais e leituras de trechos fora de contexto.”

“O que se destaca em O avesso da pele não é uma cena, tampouco a linguagem, mas sim a contundente denúncia do racismo que se imiscui em todas as nossas relações, até as mais íntimas”, finaliza.

Jeferson Tenório, autor da obra, também se pronunciou: “Após repercussão e de uma moção de um vereador, a 6° CRE [6ª Coordenadoria Regional de Educação] mandou recolher os exemplares das escolas e bibliotecas até que governo federal se manifeste.”

“As distorções e fake news são estratégias de uma extrema direita que promove a desinformação. O mais curioso é que as palavras de ‘baixo calão’ e os atos sexuais do livro causam mais incômodo do que o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras”, completa Tenório.

 

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O que diz o Ministério da Educação?

O Ministério da Educação, por sua vez, apontou, em nota oficial, que “o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) é uma política relevante do Ministério da Educação com mais de 85 anos de existência e com adesão de mais de 95% das redes de ensino do Brasil”.

“A permanência no programa é voluntária, de acordo com a legislação, em atendimento a um dos princípios basilares do PNLD, que é o respeito à autonomia das redes e escolas”, completa.

“A aquisição das obras se dá por meio de um chamado público, de forma isonômica e transparente. Essas obras são avaliadas por professores, mestres e doutores, que foram inscritos no banco de avaliadores do MEC. Os livros aprovados passam a ser compilados em um catálogo no qual as escolas podem escolher, de forma democrática, os materiais que mais se adequam à sua realidade pedagógica, tendo como diretriz o respeito ao pluralismo de concepções pedagógicas”, discorre o texto.

União na literatura

Um grupo de mais de 250 escritores, entre artistas e intelectuais, se uniram para denunciar a censura sofrida pelo escritor. O grupo que apoia Jeferson Tenório conta com nomes como Ailton Krenak, Afonso Borges, Conceição Evaristo, Bruno Lombardi, Carla Madeira, Denise Fraga, Djamila Ribeiro, Lilia Schwarz, Malu Mader, Maria Homem, Mia Couto, Milton Hatoun, Pilar Del Rio e Silvio Almeida.

Na avaliação do movimento, os ataques à obra de Jeferson são preocupantes do ponto de vista democrático.

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