PM perde a patente após receber grana do PCC e ainda reclamar do valor

A Polícia Militar de São Paulo (PMSP) decretou nesta terça-fera (5/3) a perda da patente do cabo Thiago Farias, lotado no 22º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano. Ele foi condenado a 68 anos de prisão por associação ao Primeiro Comando da Capital (PCC), facção com a qual negociou um esquema de propina. Nos diálogos interceptados [leia abaixo], ele chegou a reclamar do valor repassado pela organização criminosa.

Conhecido como “Alemão da Grande”, Farias foi preso junto com outros 52 militares, todos do 22º BPM-M. Os policiais foram denunciados pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) por envolvimento com o PCC, em 2018. Na casa de Farias, a Polícia Civil encontrou R$ 47,6 mil em dinheiro.


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O cabo foi citado 108 vezes na denúncia e apontado como um dos intermediários entre sua equipe e traficantes da facção. Era ele quem frequentemente negociava, por telefone, os horários e locais para pagamento de propina ao grupo.

Em uma das conversas telefônicas interceptadas, no dia 13 de abril de 2018, “Alemão da Grande” conversa com um integrante do PCC. E é informado de que já poderia receber a propina acertada.

“ALEMÃO DA GRANDE: Fala aí!

HNI: Dexa eu fala pro cê! Cê tá aqui por perto aqui?

ALEMÃO DA GRANDE: Não, não fica tranquilo!

HNI: Não, porque é o seguinte! Já tá na mão aqui a moeda, entendeu?

ALEMÃO DA GRANDE: A tá! Eu vou falar pra passar lá, tá bom?

HNI: Então! Quem que vai vir pegar?

ALEMÃO DA GRANDE: vai ser o Cabeça!

HNI: Então, é o seguinte! Assim que tiver vindo! Cê já dá um toque aqui! Aí eu já bato no menino aqui, pra ele encostar lá na escola lá! (…) Lá perto do trailer lá!

ALEMÃO DA GRANDE: Tá bom! Tá bom! Eu falo pra ele !

HNI: Mas vai ligar agora?

ALEMÃO DA GRANDE: Vou, vou ligar! É, dez minutos está aí!

HNI: Beleza!

ALEMÃO DA GRANDE: Falou!

HNI: A gente tá no aguardo seu! Liga aqui!”

Mais policiais

De acordo com o MPSP, o “Cabeça” citado por Farias era outro cabo da PM identificado como Rafael da Silva, também denunciado por envolvimento com o PCC.

Ainda no dia 13 de abril, Farias, volta a entrar em contato com o traficante para reclamar do valor da propina entregue mais cedo. O cabo se refere a “uma perna” para os R$ 1 mil pagos pelos traficantes e a “uma perna e meia” para os R$ 1,5 mil que o grupo esperava receber.

ALEMÃO DA GRANDE: Eaê fi? Tranquilo, de boa , pode falar aí?

HNI: Pode falar!

ALEMÃO DA GRANDE: Ô tio! Veio só uma perna meu! É isso aí mesmo?

HNI: É! Vocês já tinha pegado semana passada,não foi?

ALEMÃO DA GRANDE: Então! É, mas era foi o bagulho que tinha ficado pra trás lá! Cê tá ligado? Cê lembra?

HNI: Isso, mas aí é! Vocês não pegou semana passada, não foi?

ALEMÃO DA GRANDE: Não, semana passada não! Foi na outra!

HNI: Não, mas tá certo! É um real mesmo! Os outros meninos la também pegou um real, entendeu?

ALEMÃO DA GRANDE: Tá! Mas o bagulho que a gente fez aí era, era uma perna e meia, entendeu?

HNI: Não, ó! Pra você entender! Aquela semana lá que tinha ficado lá, que nois ficou parado, eu mandei pro cês! Eu paguei o atrasado! Eu mandei um real! Aí passou, aí! Quando foi na semana de vocês tá pegando, aí cês não ligou! Aí quando foi agora nessa semana aí foi que eu paguei vocês agora entendeu?

ALEMÃO DA GRANDE: A tá! Mas deixa eu falar pro cê! Mas aí vai fechar no um e meio, né?

HNI: Não, é um real o certo! O certo, vocêis tudo pega um real !

ALEMÃO DA GRANDE: Puta mano! Aí um real não dá! Carai, era uma perna e meia, entendeu?

HNI: Não, cê tá confundindo! Não, cê deve tá ligando pra alguém aqui errado!

ALEMÃO DA GRANDE: Não, tio! É cês memo, tendeu? É isso memo! (…) tendeu?

HNI: Não, mas não foi deixado ideia de um e meio! Ia ir um e meio pra você, era do que tava devendo! Mas até então, eu já mandei já pra você esse real que estava atrasado! Tendeu? Depois que deu aquela confusão lá, que falou que não pagou! (…) então, eu vou mandar um real pra você e já era! Aí vocês continua recebendo normal!”

A rotina da propina

Em seguida, o militar acerta com o traficante a periodicidade dos pagamentos.

“ALEMÃO DA GRANDE: (…) Aí vai ficar como esse negócio aí? É por mês ou é quinzenal?

HNI: Oi?

ALEMAO DA GRANDE: Vai ficar mensal ou é quinzenal esse negócio aí?

HNI: É o memo jeito! Quinze e quinze!

ALEMÃO DA GRANDE: A tá, eu vou trocar ideia com os menino lá,(…) um e um e cinco! Entendeu?

HNI: Não, não! Cê deve tá confundindo com alguém! Vocês sempre, nois já tá há um ano seis sempre pegou um real!

ALEMÃO DA GRANDE: Tá, eu vou passar pros meninos lá! Fica tranquilo! (…) eu ligo pra você de novo aí! Falou?”

Longa negociação com PCC

Para o MPSP, a conversa revelou que as relações entre os militares e os traficantes já se estendia por pelo menos um ano.

“A negociação e a tratativa habitual com o traficante comprovam que os militares integram a engrenagem criminosa da organização (PCC), além do recebimento periódico de vantagem indevida – no caso quinzenalmente e há pelo menos um ano – para não reprimir o tráfico de drogas, atuando como agentes da associação para o tráfico ao permitirem a continuidade dos trabalhos pelo traficante não identificado”, apontou a denúncia.

O caso dos militares envolvidos com o PCC em São Paulo resultou no maior processo de crime na Justiça Militar do país. Os envolvidos foram denunciados pelos crimes de concussão, corrupção passiva, falsidade ideológica, violação de sigilo funcional, além do crime de associação ao tráfico de drogas.

Em julho de 2019, Farias foi sentenciado a 68 anos de prisão em regime fechado no presídio Romão Gomes. O militar, no entanto, continua relacionado como servidor público. A decisão da PM, de caráter administrativo, tira de Farias sua graduação, como é chamada a patente dos praças (cabos e sargentos). Ele perde, assim, seu grau hierárquico dentro da corporação.

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