O luxo da indecisão (Por Miguel Esteves Cardoso)

Tenho inveja dos indecisos. A indecisão é um luxo e faz sentido esperar pelo último minuto, quando se olha para o boletim, e se sente a ponta da esferográfica a tremer magneticamente na direcção de um dos logótipos.

A indecisão pode ser elogiosa. Há quem tenha pena de não poder votar em dois partidos: um para o Governo (o voto útil) e o outro para a Assembleia (o voto agradável).

Os eleitores indecisos são aqueles que levam a sério o privilégio e o dever de votar. Deveria haver uma estátua ao eleitor indeciso, como há ao soldado desconhecido.

São eles que fintam a cagança das sondagens. São eles que acabam por decidir tudo. Fazem listas mentais de prós e contras, que vão revendo à medida que se aproxima o dia das eleições.

Fazem mal os partidos quando apelam aos indecisos. Os indecisos pensam muito no que vão fazer. Não é por uma frase que vão pender para um lado ou para o outro.

Eu cá consegui ser indeciso até à última semana. Cansei-me. A indecisão cansa. Foi um alívio decidir-me. Mas apelo aos restantes indecisos que se aguentem. A indecisão é optimista. A indecisão é democrática. A indecisão puxa pelos políticos. Ensina a não 00:00 02:11 Com o apoio Saiba mais Oferecer assinatura contar com os ovos nos cus das galinhas. Um indeciso exige ser convencido. Um indeciso exige ser cortejado.

Estou para aqui a palritar, mas em toda a minha vida, apesar dos meus melhores esforços, nunca consegui convencer um único eleitor indeciso a votar no partido que eu achava melhor.

Os indecisos são mimados. Quem é que julgam que são? Acham que as eleições são só para eles ou quê? “Ainda não sei em quem vou votar!”: é essa a ladainha dos indecisos, a querer provocar-nos.

O que pensarão de nós, os decisos? Que somos umas marias-vai-com-as-outras. Que somos inconscientes, irresponsáveis e previsíveis. Que somos rochedos, insensíveis ao que se diz e ao que se passa. Que somos gratuitos, corruptos e manobráveis. Quanto mais perseguirmos os votos dos indecisos, mais eles nos vão fugir com as mãos.

(Transcrito do PÚBLICO)

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