No país do “se a eleição fosse hoje” – ou seja: aqui -, diríamos que Donald Trump está à frente de Joe Biden em algumas pesquisas de intenção de voto, e atrás em outras; e que só as próximas revelarão se alguma coisa mudou desde que ele foi condenado por falsificar registros de negócios para encobrir um escândalo sexual de 2016.
Insisto: a eleição não é hoje, nem aqui, tampouco nos Estados Unidos. E tudo pode acontecer, inclusive nada, aqui e lá, até que chegue o dia da votação – lá, em 5 de novembro, sem direito a segundo turno; aqui, em 6 de outubro, o primeiro turno, e 27 de outubro, o segundo, em municípios com mais de 200 mil eleitores.
A polarização política é brutal nos Estados Unidos, tanto ou maior do que aqui. E quando se trata de eleição presidencial, o que vale lá é o voto de uma assembleia formada por 538 delegados. Este número é igual à soma de 100 Senadores + 435 deputados + 3 delegados de Washington D.C., que não tem senadores, mas sim delegados.
Já ocorreu cinco vezes do presidente eleito pela assembleia ter tido menos votos populares do que seu principal adversário. A primeira foi em 1824, a mais recente em 2016 quando Trump venceu no colégio eleitoral, mas Hillary Clinton o superou no número de votos populares. A eleição de 2000 acabou decidida pela Corte Suprema.
O voto nos Estados Unidos não é obrigatório, como aqui. E lá, um candidato condenado pela Justiça pode disputar a eleição mesmo que esteja preso. É improvável que a Justiça mande prender Trump antes da eleição de novembro. Mas se o fizer, ele poderá se eleger preso, e governar a partir de lá. Nunca se viu isso no mundo.
Os 12 jurados do tribunal de Nova Iorque decidiram por unanimidade e, ao todo, votaram 418 vezes pela condenação de Trump em 34 acusações. O razoável seria que diminuíssem as chances de ele se eleger uma vez que se tornou um criminoso – o primeiro ex-presidente dos Estados Unidos condenado por um ou mais crimes.
Mas, quem sabe? Trump tem um eleitorado fiel e que resiste a qualquer escândalo ou acusação criminal, embora insuficiente para lhe assegurar a vitória. Ele precisará da ajuda de eleitores republicanos e independentes que dizem preferir ter outro candidato à Casa Branca capaz de derrotar Biden. Como esses eleitores irão se comportar?
Há apenas um mês, na Pensilvânia, onde Trump venceu por 44.292 votos em 2016 e perdeu por 80.555 em 2020, 158 mil eleitores registrados no Partido Republicano votaram em Nikki Haley nas eleições primárias, apesar de a antiga embaixadora dos Estados Unidos na ONU ter cancelado a sua candidatura dois meses antes.
“A condenação pode ter consequências políticas sutis, mas inequívocas”, disse ao jornal português PÚBLICO o diretor do Departamento de Ciência Política da Universidade de Boise, no Idaho, Ross Burkhart. Que explica:
“Os 15% a 20% de eleitores que não votaram em Trump nas eleições primárias estão agora no centro das atenções, sendo pouco provável que esta condenação leve a maioria deles a mudar de opinião.”
Até ser condenado, Trump parecia estar conquistando o voto dos negros e dos mais jovens. Na verdade, esses eleitores não fazem parte da base de apoio de Trump, e muitos apoiam candidatos do Partido Democrata em eleições para o Senado. Alguns votaram em Biden para presidente há quatro anos. Votariam de novo?
O certo, ou quase certo, é que a eleição deverá ser decidida por poucos votos na assembleia formada pelos 538 delegados. Trump diz que só reconhecerá o resultado se ele o favorecer. Não reconheceu o anterior. Aqui, Bolsonaro não reconheceu a vitória de Lula em 2022 e tentou dar um golpe que fracassou. Ficou inelegível por oito anos.