México como “líder global” (por Marcos Magalhães)

A vitória nas urnas de Claudia Sheinbaum, eleita no domingo a nova presidente do México, soou bem aos ouvidos do colega brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda é incerto, porém, se a presença dessa ex-prefeita e física de esquerda no cenário político latino-americano será suficiente para aproximar os dois países.

Proveniente de uma família com origens judaicas e tradição política na esquerda mexicana, Claudia formou-se em Física na Universidade Nacional Autônoma do México, fez pós-graduação em Engenharia Ambiental e obteve pós-doutorado em Berkeley, além de haver participado do Painel Intergovernamental de Mudança Climática da ONU.

Inova, portanto, duplamente. Será a primeira mulher a presidir seu país e provavelmente a primeira cientista ambiental a liderar uma importante nação quando o mundo enfrenta uma crise climática sem precedentes.

Herdará um país que enfrenta sérios problemas com a migração para os Estados Unidos, a violência – inclusive de gênero – e o narcotráfico. Mas também um país que cresceu 3,2% em 2023 e cuja economia é a segunda maior economia da América Latina, depois do Brasil.

Se a proximidade com os Estados Unidos lhe traz problemas de migração, por outro lado lhe abre portas no momento em que investidores temem a dependência da China e apostam no chamado nearshoring, movimento de transferência de indústrias para países considerados confiáveis e próximos de grandes mercados consumidores.

Um dos exemplos desse movimento foi o recente anúncio da alemã BMW da instalação no México de uma das quatro linhas de produção de seus futuros veículos elétricos, que começarão a circular em 2025 e buscam garantir a liderança da empresa no mercado de luxo.

Diante desse potencial, o México sonha grande. Sim, os estrategistas de Sheinbaum dedicaram bastante tempo à elaboração de medidas destinadas a enfrentar o que chamam de “desafios da gestão de mobilidade humana”. Ou seja, como ampliar a capacidade do país para lidar com a “atenção às pessoas migrantes”.

Outro tema, porém, recebeu grande destaque no capítulo destinado à política externa do plano de governo da presidente eleita: a projeção internacional de seu país.

Após reconhecer as conquistas obtidas no setor pelo presidente que encerra o mandato neste ano, López Obrador, o documento estabelece como uma das metas prioritárias da nova gestão a “liderança na América Latina e mais além”.

O novo governo pretende atuar para assegurar maior presença do México em foros internacionais, reafirmando o compromisso do país com os objetivos de se apresentar como líder global e “sócio chave” na solução de desafios internacionais.

Os esforços da política externa do futuro governo deverão se concentrar em órgãos como a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, a Conferência das Partes sobre Mudança Climática, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e o G-20, cuja próxima cúpula ocorrerá no final deste ano, no Rio de Janeiro.

“Nos comprometemos a fortalecer o papel de liderança do México na América Latina e no cenário mundial”, diz o plano de governo, “estendendo nossa influência através da promoção de diálogos e cooperações que reflitam nossos princípios constitucionais e prioridades estratégicas”.

Ou seja, a presidente eleita assume o compromisso de fazer do México um “líder global”, preocupado com a manutenção da estabilidade regional e com a busca de soluções para o delicado tema da “mobilidade humana”.

Os principais temas mencionados no documento estão ligados às relações com os países da América Central e do Caribe e com as demais nações da América do Norte. É bom lembrar que o ex-presidente americano Donald Trump, que procura se eleger mais uma vez em novembro, prometeu a construção de um muro na fronteira entre os dois países.

Não há menção a iniciativas de aproximação com a América do Sul, em geral, e com o Brasil, em particular. O comércio bilateral tem obtido resultados interessantes. Em 2023, por exemplo, o México ultrapassou a Argentina e se tornou o principal mercado para as exportações brasileiras de veículos.

O presidente Lula quer mais. Ele disse estar feliz com a vitória de Shenbaum, “por ser uma mulher e porque representa o campo progressista”. Anunciou ainda que pretende viajar ao México ainda neste ano. Mas pediu mais ambição nas relações bilaterais.

“Nós somos as duas maiores economias do continente, ainda temos pouco fluxo no comércio e poderíamos ter mais”, observou Lula. “E mais empresários do México investindo no Brasil e empresários brasileiros investindo no México, para que as duas economias cresçam”.

O aceno está registrado. A partir de outubro, quando toma posse, a nova presidente poderá indicar como pretende conduzir a relação com o Brasil. A julgar por seu plano de governo, o México se colocará como líder na América Latina e no mundo. Lula também tem suas ambições de liderança. Os dois presidentes terão muito a conversar.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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