França: o risco agora é o país ser governado pela extrema esquerda

Ao dissolver a Assembleia Nacional e convocar novas eleições legislativas, depois de sofrer uma derrota acachapante para a extrema direita nas eleições europeias, o presidente Emmanuel Macron, de centro, colocou a França sob o risco de ter um primeiro-ministro de extrema esquerda. A novidade é essa. O risco de ter um primeiro-ministro de extrema direita, do partido de Marine Le Pen e Jordan Bardella, já estava (mal) calculado pelo inquilino do Palácio do Eliseu.

A pretexto de impedir a extrema direita francesa de chegar ao poder, os socialistas surpreenderam Emmanuel Macron e fizeram outra vez uma aliança vergonhosa com o partido de Jean-Luc Mélenchon, antissemita que remete a esquerda aos tempos soviéticos.

Os socialistas acham que, se a frente de esquerda vencer a eleição, eles poderão domar Jean-Luc Mélenchon e os seus sequazes. Não poderão. O partido de extrema esquerda tem grande maioria dentro da coalizão e não cederá de graça — se é que cederá — aos aliados moderados, de matiz social-democrata, o cargo de primeiro-ministro, bem como grande parte do ministério que vier a ser formado por ele. 

O partido socialista preferiu se aliar a Jean-Luc Mélenchon a se unir com o partido de Emmanuel Macron por julgar que o presidente não é nem mais um pato manco, mas um pato sem as duas patas — o que até o próprio presidente deve achar neste momento. Não há nenhuma responsabilidade política nisso, apenas oportunismo eleitoral, em um pleito que se projeta irremediavelmente polarizado. 

Na história do que acreditamos ser a humanidade, a esquerda sempre foi mais propensa a uniões de ocasião do que a direita. É o que se vê hoje. O pau está comendo entre os republicanos, da direita moderada, gaullista, porque o seu presidente, Éric Ciotti, declarou que o partido apoiaria a extrema direita, sem consultar ninguém.

O presidente dos republicanos foi expulso do partido, mas se recusou a sair, protagonizando cenas ridículas. Impedido de entrar na sede de agremiação, ele desafiou a proibição e forçou a entrada. Encontrou uma sala sem computador, sem nada, e se deixou filmar e fotografar sentado à mesa completamente nua. Só serviu para propiciar memes. A sua expulsão virou briga judicial.

Desde a dissolvição da Assembleia Nacional, a extrema direita acentuou a suavização da sua imagem, o que já vinha ocorrendo desde a segunda derrota de Marine Le Pen para Emmanuel Macron na corrida pelo Palácio do Eliseu. 

Jordan Bardella, a estrela jovem do partido, tem um discurso cordato, diz-se um realista e apela à união nacional contra o caos que seria ter um governo de extrema esquerda — o mesmo argumento que a extrema esquerda usa contra a extrema direita. O partido de Marine Le Pen e Jordan Bardella acena que seguirá uma caminho semelhante ao de Giorgia Meloni, na Itália.

O dado incontornável é que, mesmo com a oposição dos caciques da direita moderada em fazer aliança com o partido de Marine Le Pen e Jordan Bardella, a maior parte dos seus eleitores votará na extrema direita no segundo turno das eleições legislativas, cujo primeiro turno ocorrerá daqui a três semanas. 

O que está em jogo nas eleições legislativas não é apenas o futuro da França, mas o da União Europeia, da qual o país é um dos esteios, ao lado da Alemanha, comandado hoje pelo medíocre Olaf Scholz, cujo partido também foi derrotado nas eleições europeias. Nem a extrema esquerda, nem a extrema direita francesas são europeístas, para o receio dos vizinhos do bloco, a alegria do lobo mau Vladimir Putin e o medo de Volodymyr Zelenski.

O jupiteriano Emmanuel Macron, presidente até 2027, se não vier renunciar depois das eleições legislativas, deixou a França exangue. O déficit nas contas públicas é imenso, a classe média está empobrecida, a política imigratória é laxista e um novo tema entrou para a pauta eleitoral: a criminalidade. Ninguém trata seriamente do tema, embora a extrema direita é a que toque mais abertamente nesses assuntos.

Não importam o resultado das eleições legislativas e todas as suas consequências, o melhor diagnóstico é o da revista Le Point: “a França é o único país da União Europeia que nunca aceitou as leis econômicas da gravidade. O único que jamais admitiu coletivamente que os déficits tinham um limite. O único que não levou em conta, por exemplo, o envelhecimento da população, e que, portanto, não reformou realmente o seu sistema de aposentadoria. A mais cara das loucuras é de acreditar apaixonadamente ao que é manifestamente falso, explicava Henry Mecken.”

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