Pancadões promovem pancadaria do “UFC de Rua”: “Disputar no soco”

São Paulo — Perfis em redes sociais de bailes funk que ocorrem na zona norte da capital paulista, os chamados pancadões, são os que mais promovem os eventos do “UFC de Rua”, ou “UFC da Favela“, uma prática que vem disseminando combates clandestinos entre jovens e até crianças em bairros da periferia de São Paulo.

Como mostrou o Metrópoles neste sábado (9/3), uma série de vídeos (assista abaixo) exibidos nas redes mostram duplas lutando em ringues improvisados em posto de gasolina, praça, campo de futebol ou no meio da rua na Freguesia do Ó, zona norte paulistana.

Apesar de não serem consideradas crimes, as lutas clandestinas já são monitoradas pela Polícia Civil, que afirmou estar “ciente dos fatos” na região e que “há diligências em andamento para identificar os participantes”.

Nas redes, as lutas do UFC de Rua ganham trilha sonora própria com letras de funk que promovem os combates.

“Pode vim de qualquer bairro que o bagulho fica louco, é o UFC de Rua, vamos disputar no soco. Se tu é bom de briga, quero ver peitar, vem pro UFC de Rua, um pra um, vem me enfrentar”, diz trecho de uma das músicas.

Com mais de 46 mil seguidores, o perfil do baile funka “Mandelão Brasilândia”, começou a compartilhar as lutas de rua em sua linha do tempo na última terça-feira (5/3).

Outro pancadão, da Praça 40, com mais de 27 mil seguidores, também começou a divulgar os vídeos e a página do UFC de Rua nesta semana, da mesma forma que o perfil do baile da Praça do Carumbé, com 21 mil inscritos.


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Alguns seguidores perguntam o endereço para “poder participar” das lutas. “Vai ser um prazer botar ele pra deitar”, diz um deles no comentário de um dos vídeos. “Apanhou mais rápido que o Bambam”, comentou outro seguidor, referindo-se à luta entre Popó e Kleber Bambam, que durou 36 segundos.

Há também quem critique as lutas, chamando a prática de “ridícula” e apontando os riscos à saúde e à integridade física dos participantes. Estudos mostram a exposição repetitiva do crânio a pancadas pode desencadear, a longo prazo, um processo progressivo e irreversível de sintomas como perda de memória, problemas motores como lentidão, rigidez dos músculos, alterações da fala e desequilíbrio.

Ao contrário do UFC original, maior organização de artes marciais mistas (MMA) do mundo, criada há 30 anos nos Estados Unidos e que se popularizou no Brasil a partir dos anos 2000, as lutas do UFC de Rua ocorrem em condições precárias.

Há registros de lutas nas quais os “combatentes” trocam socos sem luvas, ou dividem o mesmo par, de duelos entre desafiantes de pesos bem diferentes, que ocorrem sobre o concreto ou asfalto sem nenhum tipo de estrutura para atendimento médico em caso de emergência.

Procurada pela reportagem, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que o 28º Distrito Policial (Freguesia do Ó) “está ciente dos fatos”, destacando que as lutas “não se enquadram no artigo 129 do Código Penal”, crime de lesão corporal, “pois houve consentimento mútuo das partes envolvidas”. Ainda assim, a pasta afirma que “há diligências em andamento para identificar os participantes da luta”.

“Se algum dos envolvidos sentir que sua integridade física foi comprometida, o 28º DP está à disposição para o registro da ocorrência”, diz a SSP em nota.

“Não são ilegais”

Coronel da reserva da Polícia Militar, Azor Lopes da Silva Júnior, que também é doutor em sociologia e pós-doutor em hermenêutica jurídica, explica que, apesar de “chocantes”, as lutas de rua compartilhadas nos vídeos do UFC de Rua, “não são ilegais”, caso não envolvam apostas e não tenham como objetivo único lesionar o oponente.

“Do ponto de vista essencialmente jurídico, não há embate entre as pessoas com o intuito de lesionar, mas competir, segundo regras de um esporte. No caso desses vídeos, por mais que eu os recrimine, queira ou não, são uma prática desportiva, não digo que adequada”, explicou. Ele comparou as lutas a uma “pelada de rua”, que oferece riscos de lesão, mas não conta com “dolo”, ou seja, intenção de machucar.

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