Governo federal quer frear onda de recuperação judicial no agronegócio

 

A onda de pedidos de recuperação judicial (RJ) no campo e o potencial dano que o cenário pode causar no mercado financiador do agronegócio ligaram o alerta do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. Nesta semana, ele enviou um ofício ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em que pede a atuação do órgão para conter possíveis excessos e interpretações erradas da lei na crescente concessão das RJs por juízes de primeira instância aos produtores rurais.

Fávaro solicitou apoio do CNJ para garantir o cumprimento das regras que preservam Cédulas de Produto Rural (CPR), alienações fiduciárias e contratos decorrentes do ato cooperativo das recuperações judiciais. O ministro também alertou para a necessidade de atendimento aos requisitos essenciais para o acesso ao mecanismo por produtores rurais pessoas físicas, como o exercício da atividade há pelo menos dois anos comprovados por registros do Livro Caixa Digital, declaração de Imposto de Renda ou balanço patrimonial.

A preocupação é com os efeitos negativos de uma concessão desenfreada de RJs, como a possibilidade de “contaminar” o ambiente de financiamento ao setor produtivo no país e desestimular os agentes que fomentam a produção. O movimento pode encarecer o crédito aos demais produtores que não têm buscado o mecanismo de reestruturação de dívidas, minar o interesse privado em investir no campo e gerar ainda mais dificuldades ao governo para suportar gastos orçamentários em socorro ao agro.

No ofício enviado ao corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, Fávaro pediu “a consideração e adoção de medidas cabíveis, tais como instruções normativas, provimentos ou resoluções que clarifiquem e reforcem a aplicação” correta da lei de recuperação judicial e falências (11.101/2005) como forma de preservar a “vitalidade econômica” do agronegócio brasileiro.

O documento cita uma “preocupação crescente com o uso e interpretação das disposições legais” relativas às recuperações judiciais e falências. “Solicito o apoio desse Conselho Nacional de Justiça na adoção de medidas que possam orientar os juízos de primeiro grau na aplicação correta da legislação, considerando as últimas alterações legislativas promovidas pela Lei nº 14.112, de 24 de dezembro de 2020, com o objetivo de garantir a segurança jurídica e a estabilidade econômica do setor”, diz Fávaro no ofício.

No fim da tarde da próxima segunda-feira (11/3), Fávaro vai se reunir o ministro Luis Felipe Salomão para detalhar o assunto. A intenção é municiar o Poder Judiciário de informações sobre o funcionamento do mercado de crédito rural no país e indicar a necessidade de intervenção nas varas judiciais para evitar uma enxurrada de RJs.

Como a Globo Rural/Valor mostrou, os produtores rurais que atuam como pessoas físicas fizeram 127 pedidos de recuperação judicial no ano passado, um expressivo salto de 535% em relação a 2022, segundo dados da Serasa Experian.

Nas últimas semanas, o Ministério da Agricultura tem se empenhado para emplacar a narrativa de que não existe crise no campo, mas sim um problema pontual por conta da combinação da queda de preços das commodities e de impactos do clima na safra.

O movimento manda sinais ao mercado para evitar uma debandada de investidores privados que têm ajudado o governo na missão de financiar a produção agropecuária brasileira a partir de mecanismos de capitais, como títulos, operações estruturadas e fundos.

O secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, disse que o setor tem “gordura para queimar” depois dos anos recentes de bonança, e que o problema desta safra é pontual. “Um problema generalizado, capaz de inviabilizar o setor, está longe de acontecer”, afirmou.

Geller disse que a recuperação judicial é uma ferramenta importante, mas que tem sido utilizada de forma aleatória e deliberada. “Incluir CPRs nas RJs é fragilizar completamente o crédito ao campo. É jogar na vala o que construímos de política agrícola nas últimas décadas. Recuperação judicial é uma medida extrema”, apontou. “Nos posicionamos contra as RJs da forma como está. Não dá para prejudicar todo o setor em favor de meia dúzia que não fez a tarefa de casa bem feita”, ressaltou.

O secretário apontou a necessidade de evitar a criação de instabilidade no mercado financiador, alimentado principalmente por revendas, cooperativas e tradings no interior. O movimento desenfreado das RJs, apontou ele, prejudica toda a economia local, desde o comércio e empresas, que ficam endividados e receosos.

“Temos uma posição clara de que as RJs não sejam desenfreadas. Não dá para dar RJ a quem vem bombando, ganhando dinheiro e tendo renda, mas que tem um ano ruim e entra com pedido. Algo está errado. Temos que cuidar de quem é sério e produz”, completou. “Nós, do governo e o setor organizado, temos que reagir. Não podemos deixar a indústria da RJ atrapalhar o crédito rural no Brasil”, concluiu.

Fonte: Globo Rural

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