Condomínios de praias artificiais avançam no Brasil

 

O litoral do Brasil tem exatos 7.367 quilômetros de extensão — medida que pode chegar a 9.000 quilômetros, adicionadas as saliências e reentrâncias típicas da nossa geografia. Há pelas bandas de cá praias celebradas em todo o mundo. Das ondas que aqui quebram, e não quebram como lá, brotaram alguns dos surfistas mais vencedores da história, como Gabriel Medina, Italo Ferreira e Filipe Toledo. A expressão “Brazilian storm”, a tempestade brasileira, criada pela imprensa americana para definir essa turma campeã, pegou de vez. E, então, há uma pergunta que não quer calar: por que, em um pedaço de terra tão propício ao mar — “o mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito…”, cantou Caymmi —, começam a despontar as praias artificiais?

Nos últimos meses, em interessante novidade, diversos lançamentos imobiliários à guisa de beira-mar foram inaugurados ou estão prestes a abrir as portas em cidades sem litoral — argumento decisivo, é natural, para que saiam do papel. O Praia da Grama, erguido pela KSM Realty no condomínio Fazenda da Grama, em Itupeva, a 70 quilômetros de São Paulo, tem mar com ondas de quase 2 metros de altura, orla de 1 quilômetro e areia branquinha que — pasmem — não esquenta com o sol. O investimento para 400 lotes residenciais: 200 milhões de reais. O preço do metro quadrado saltou de 300 reais para 2.200 reais em dois anos.

Um outro empreendimento, o Boa Vista Village, da JHSF, em Porto Feliz, na região metropolitana de Sorocaba, tem o jeitão de elegante condomínio a beijar as águas de um oceano, só que não. Até o ano que vem, a metrópole que não pode parar inaugurará outros dois conjuntos de inspiração marítima. O São Paulo Surf Club, oásis de luxo projetado pela JHSF, terá praia, é claro, além de torres de apartamentos para moradia e hotelaria, bares, restaurantes, spas e outras benesses. O Beyond The Club, da KSM, outra obra a todo o vapor, terá capacidade para abrigar e oferecer marés vigorosas a 90 surfistas interessados na prática, como se estivessem belos e faceiros no Taiti. A brincadeira, somando terreno e construção, deve ultrapassar 1 bilhão de reais. “A tendência das praias artificiais em centros urbanos é inevitável, e tende a crescer com os anos”, diz Oscar Segall, executivo da KSM. “Representam uma mudança radical e saudável de estilo de vida, e não apenas como lar”.

Parece claro, portanto, o interesse pela espuma a quebrar com o horizonte urbano ao fundo, lá onde a natureza está escondida pelo cimento — mas o que dizer da Surfland Brasil, instalada em Garopaba (“a enseada de barcos”, a partir de sua denominação indígena), beijada pelo Oceano Atlântico em Santa Catarina? Soa um tanto esquisita, esquisita mesmo, a artificialidade diante de tanta natureza. Mas há o evidente fascínio pela novidade e o respeito pelos saltos tecnológicos que tudo, ou quase tudo, podem. A piscina de ondas da Surfland, inaugurada em novembro do ano passado, vai e vem com um recurso mecânico capaz de produzir 900 ondulações por hora. Louve-se, na gênese das máquinas que imitam o real, a criatividade pioneira de um dos mais conhecidos surfistas da história, o americano Kelly Slater. De mãos dadas com um respeitado engenheiro da Califórnia, também apaixonado pelas pranchas a singrar os tubos, eles decidiram investir no improvável e mágico: as marés próprias ao sobe e desce de esportistas, mas de água sem sal. Com o passar dos anos, as ferramentas foram aprimoradas a ponto de mimetizarem à perfeição as ondulações. Daí para a adoção por construtoras foi passo rápido, adotado nos Estados Unidos e na Europa, e que agora chega ao Brasil.

Ressalve-se que a bem bolada ideia das praias artificiais — restrita aos mais endinheirados e no avesso do aspecto público de suas irmãs naturais — casa-se à perfeição com outro modismo que tem se espalhado com rapidez: as quadras urbanas para a prática de esportes de areia, como o futevôlei e o queridinho da hora, o beach tennis. A Confederação Brasileira de Tênis (CBT) estima que o número de praticantes da modalidade “praiana” tenha quase triplicado nos últimos três anos, de 400.000 pessoas em 2021 para 1,1 milhão em 2023. Nasceu no auge da reclusão imposta pela pandemia, respiro para sair de quatro paredes, e vingou. “São espaços que dão a sensação de comunidade e trazem a memória afetiva”, diz Anderson Rubinatto, diretor-executivo da Goolaço, empresa de serviços esportivos.

Não se sabe até quando a onda permanecerá, mas é relevante a presença, em meio a metrópoles áridas, de espaços de entretenimento antes atrelados a viagem, férias, sombra e água fresca. É a civilização a se alimentar de paradoxos — a areia e o mar aqui ao lado, pertinho do meu condomínio de prédios. Convém, no entanto, nunca abandonar o original. Não nos esqueçamos das lindas praias que desenham o Brasil, embora uma coisa — a versão urbana, sem costa — não anule a outra. Vale lembrar Millôr Fernandes: “O pôr do sol é de quem olha”.

Fonte: VEJA

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