O eleitor, uma caixa-preta (por Gaudêncio Torquato)

A propaganda eleitoral invade nossas casas. O eleitor se guiará por ela quando for às urnas em 6 de outubro? Afinal, quando um eleitor opta por um candidato, que fatores balizam sua decisão? Esta é uma das mais instigantes questões das campanhas eleitorais. A resposta abriga componentes relacionados ao conceito representado pelo candidato e ao ambiente social e econômico que cerca os eleitores.

No primeiro caso, o eleitor leva em consideração valores como honestidade/seriedade; simplicidade; competência/preparo; capacidade de comunicação; entendimento dos problemas; arrogância/prepotência/valentia e simpatia. Sob outra abordagem, o voto quer significar protesto, castigo aos atuais governantes e a candidatos identificados com eles, vontade de mudar ou mesmo aprovação às ideias de protagonistas que lutam pela reeleição. Neste caso, os pesos da balança assumem o significado de satisfação/insatisfação; ou confiança/desconfiança.

A questão seguinte é saber qual a ordem em que o eleitor coloca essas posições na cabeça e por onde começa o processo decisório. Não há uma ordem natural. O eleitor tanto pode começar a decidir por um valor representado pelo candidato – simpatia, preparo, capacidade de comunicação – como pelo cinturão social e econômico que o aperta: carestia, violência, desemprego, insatisfação com os serviços públicos precários etc. Os dois tipos de fatores tendem a formar massas conceituais – boas e ruins – na cabeça do eleitor. A exposição dos candidatos na mídia vai criando impressões no eleitorado. E as impressões serão mais positivas ou mais negativas, de acordo com a capacidade de o candidato formular ideias e apresentar respostas aprovadas ou desaprovadas pelo sistema de cognição dos eleitores.

Urge ter muito cuidado com os índices de rejeição, que significa: naquele candidato, não voto de jeito nenhum. Mas, í, qual a lógica para a priorização que o eleitor confere a candidatos? Nesse ponto, cabe uma pontuação de natureza psicológica. As pessoas tendem a selecionar coisas (fatos, conceitos, eventos, perfis) de acordo com os instintos natos de conservação do indivíduo e preservação da espécie. Ou seja, o discurso mais impactante e atraente é o que dá garantias às pessoas de que elas estarão a salvo, tranquilas, alimentadas, confortáveis. Portando, o discurso voltado ao estômago do eleitor, ao bolso, à saúde, é prioritário. Tudo que diz respeito à melhoria das condições de vida desperta a atenção. Depois, as pessoas são atraídas por um discurso mais emotivo, relacionado à solidariedade, ao companheirismo, à vida familiar.

Esses apelos disparam os mecanismos de escolha. Se a insatisfação social for muito alta, os cidadãos tendem a se abrigar no guarda-chuva de candidatos da oposição. Se candidatos com forte tom mudancista provocarem medo, as pessoas recolhem-se na barreira da cautela, temendo que um candidato impetuoso vire a mesa abruptamente. Assim, mesmo com certa raiva de candidatos apoiados pela situação, os eleitores assumem a atitude dos três macaquinhos: tampam a boca, os ouvidos e olhos e acabam votando em candidatos situacionistas.

O maior desafio de um candidato de oposição, dentro dessa lógica, é o de convencer o eleitorado de que garantirá as conquistas dos seus antecessores, promovendo mudanças que melhorarão a vida das pessoas. Simples promessa não adiantará: é preciso comprovar tim-tim por tim-tim como executará as propostas. O apoio de grandes patrocinadores elege candidatos? Depende. O fato é que o eleitor busca autonomia, vota pela análise comparativa entre perfis. Lula e Bolsonaro já não têm tanta força para influenciar o eleitor.

Uma trajetória amparada na coerência, na experiência, na lealdade, na coragem e determinação de cumprir compromissos. Proposta séria e factível transmitida por candidato desacreditado não colará. Os dois tipos de componentes que determinam as decisões do eleitor – as características pessoais dos candidatos e o quadro de dificuldades da vida cotidiana – caminham juntos, amalgamando o processo de decisões dos cidadãos.

O marketing político bem-feito é aquele que procura juntar essas duas bandas, costurando aspectos pessoais com os fatores conjunturais, conciliando posições, arrumando os discursos, analisando as demandas das populações, criando ênfases e alinhando as prioridades. O que o marketing faz, na verdade, é acentuar os estímulos para que o eleitor possa, a partir deles, tomar decisões. E os estímulos começam com a apresentação pessoal dos candidatos, a maneira de se expressar, de se vestir. Os cenários aguçam ou atenuam a atenção. A fluidez de comunicação, a linguagem mais solta e coloquial cria um clima de intimidade com o eleitor. As propostas precisam ser objetivas, claras e consistentes. As influências sociais e até as características espaciais e temporais despertam ou aquecem as vontades.

O eleitor é uma caixa-preta, no sentido de causar surpresas. Na eleição deste ano, se esconderá mais que em campanhas anteriores. Está mais desconfiado e crítico. Não quer comprar gato por lebre. Sua taxa de racionalidade aumentou. Desvendar o quê e como pensa é o maior desafio dos candidatos.

 

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político

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