Verdade nua e crua sobre a questão fiscal sob Lula (Leonardo Barreto)

Se falar sobre o futuro da economia está difícil para os economistas, imagina para quem analisa sob a ótica da política. A guerra de informação entre mercado e governo ideologiza o debate, criando um ambiente na qual a ordem é confundir e não explicar.

Não que a discussão sobre gastos governamentais, inflação, juros e meta fiscal precise ser técnica. Não. Cada um desses elementos reflete decisões políticas que, no caso do atual governo, sempre foram claras. Na sua posse, Lula disse sem meios termos: “Hoje assino medidas para reorganizar as estruturas do Poder Executivo para que possam novamente permitir o funcionamento do governo. Para recuperar o papel dos departamentos governamentais, bancos públicos e empresas estatais no processo de desenvolvimento do país. Para planejar investimentos públicos e privados visando um crescimento econômico que seja ambiental e socialmente sustentável.”

Mas, se o debate não precisa ser esterilizado pela alcunha de “técnico”, ele precisa, pelo menos, ser honesto. Deixar claro o que você é e o que você quer é o mínimo. E isso está sendo feito no Brasil? De acordo com dados e agendas e não agendas, é possível dizer que sim.

No lado do balanço fiscal, por exemplo, o economista Luís Eduardo de Assis, ex-diretor de política monetária do Banco Central, disse que nos últimos doze meses o governo aumentou as despesas em 20% e a receita cresceu 10%. Aritmeticamente, ele diz “prever indicadores econômicos é muito difícil. Mas assumir que o atual governo não tem compromisso com o equilíbrio fiscal é a mais trivial das estimativas.”

O que está se decidindo hoje na economia é o que vai prevalecer daqui até 2026. Lula vai achar o seu “stop”, como o mercado diz, vai estabelecer algum limite e procurar qualquer coisa que se pareça com um equilíbrio? Ou vai apostar em um discurso, na qual o crescimento econômico, gerado até aqui principalmente pelo Estado, com políticas de transferência, irá tapar todos os buracos fiscais e calar essa gente chata que só insiste em falar em controle de gastos?

Também não é difícil de responder essa questão. A pressão para a revisão de despesas está encontrando resistência porque vigora no governo uma visão de que o ajuste não se dará pelo lado dos pobres. O equilíbrio fiscal, dessa forma, deve continuar sendo do lado da receita, pelo combate às erosões fiscais, como dito recentemente pelo ministro Fernando Haddad.

“Você deixa uma grande empresa 10 anos sem pagar imposto e, para equilibrar as contas, vai em cima do salário-mínimo, do Bolsa-Família? Não pode ser assim. Alguém tem que pagar a conta, e é isso que estamos tentando corrigir”.

A frase de Haddad é reveladora. Neste governo, que é de classe, objetivos políticos submetem objetivos econômicos porque hoje, quem sustenta a administração Lula III, é a base da pirâmide social, onde estão as melhores notícias colhidas até aqui. Cerca de 76% dos novos empregos gerados de janeiro a julho de 2024 foram ocupados por adultos inscritos no CAD Único (que totalizam, hoje, 54 milhões); até abril de 2024, os 40% mais pobres tiveram aumento de renda de 17,6% e, entre os 5% mais pobres, o crescimento foi de 38,5%.

Não por acaso, os indicadores de popularidade refletem os resultados econômicos. Segundo a última pesquisa IPEC, 35% dos brasileiros avaliaram o terceiro mandato de Lula como “ótimo ou bom”. Entre pessoas que ganham até um salário-mínimo, o percentual de pessoas satisfeitas é de 50% (+15 p.p.) e entre os menos escolarizados 48% (+13 p.p.).

Sem esta base d, Lula perde sua sustentação política. Por isso, continuará sacrificando o que precisar para manter fluxos crescentes de renda e benefícios para os mais pobres. Uma prova de que esta é a prioridade para o governo, apesar os limites fiscais, foi a sugestão do novo programa _Gás Para Todos_ que é pago em dinheiro e será aumentado em 267% para o ano que vem por meio de uma controversa manobra fiscal.

Aí volta-se ao problema da honestidade, que está conectada à debilidade política do atual governo no Congresso. Como disse José Dirceu em entrevista recente à Folha de S. Paulo, hoje, controlar o poder, é ter maiorias na Câmara e no Senado e isso ainda não aconteceu desde o início da gestão. Nesse sentido, o desequilíbrio fiscal é fundamentalmente político, ou seja, não houve força suficiente para aprovar mais medidas de aumento de arrecadação.

Lula, Haddad e o PT entendem que a nova formação das mesas diretoras oferecerá uma oportunidade para melhorar a situação no Congresso. Além disso, contam com a ajuda do STF para dobrar os opositores nas piores situações. Até lá, até conseguir maioria para mais aumento de receita, vai-se toureando o mercado e torcendo para os indicadores piorarem dentro de uma margem que não crie dramas de popularidade.

 

Leonardo Barreto, doutor em Ciência Política (UnB) e consultor independente (Instagram: @leobarretobsb)

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