Brasileiros gastaram cerca de R$ 20 bilhões por mês com apostas on-line, aponta Banco Central

 

O volume mensal de transferências via Pix de pessoas físicas para empresas de apostas on-line variou entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões neste ano, conforme estimativas do Banco Central (BC).

Em agosto, o volume mensal das apostas on-line é de R$ 20,8 bilhões, contra R$ 1,9 bilhão de arrecadação de todos os sorteios de loterias da Caixa Econômica Federal.

Os dados constam de nota técnica produzida pelo Departamento de Estatísticas do Banco Central a pedido do senador Omar Aziz (PSD-AM) — o documento não foi divulgado oficialmente pelo BC. Este é o primeiro raio-x com dados oficiais do tamanho do mercado de apostas on-line no país.

A nota considera todos os tipos de apostas: aquelas em que há uma aposta baseada em um evento real (como uma partida de futebol) e os cassinos on-line, que são jogos de azar. As duas modalidades estão passando por um processo de regulamentação no país.

Retenção de 15%

O BC ressalta que os valores representam as transferências brutas para as empresas, quanto foi aportado pelos jogadores. Isso inclui a transferência para apostas em si.

Com base nas transações das “bets” para as pessoas físicas, a autarquia estimou que cerca de 15% das apostas são retidas pelas plataformas e o restante é distribuído em forma de prêmio para os ganhadores.

A nota técnica alerta, porém, que esses valores podem estar subestimados. As apostas podem ser feitas por outros canais além do Pix, como cartão de crédito e TED, mas os prêmios devem ser pagos exclusivamente por transferência eletrônica.

“Assim, espera-se que os valores das apostas possam estar subestimados (apesar de informações externas de que grande parte das apostas são realizadas via Pix), sendo que o pagamento das premiações deve corresponder a quase totalidade”, diz o documento.

Bolsa Família

De acordo com os dados da nota, estima-se que, em agosto de 2024, 5 milhões de pessoas pertencentes a famílias beneficiárias do Bolsa Família enviaram R$ 3 bilhões às empresas de apostas por Pix, sendo a mediana dos valores gastos por pessoa de R$ 100. Dessas pessoas, 4 milhões (70%) são chefes de família (quem de fato recebe o benefício) e enviaram R$ 2 bilhões (67%) por Pix para as bets.

Omar Aziz divulgou ainda um dado apontando que 8,91 milhões de pessoas pertencentes a famílias beneficiárias do Bolsa Família enviaram R$ 10,51 bilhões às empresas de aposta utilizando a plataforma Pix entre janeiro e agosto deste ano — mas esse dado não chegou a ser inserido na nota técnica do BC.

Uma lei aprovada no ano passado estabeleceu regras para esse mercado, que está em processo de regulamentação pelo Ministério da Fazenda. A partir de outubro, só poderão operar empresas que pediram autorização para a Fazenda. Em janeiro de 2025, todas as regras entrarão em vigor, incluindo a proibição de apostas por cartão de crédito.

Análise em desenvolvimento

O estudo do BC também aponta desafios para a mensuração do mercado de bets no Brasil e ressalta que as informações da nota são estimativas e resultados preliminares. Segundo o documento, um aprofundamento da análise está em desenvolvimento.

A estratégia adotada foi avaliar as movimentações de CNPJs de atividades relacionadas à exploração de jogos de azar e apostas. Mas o BC notou que há um grande número de empresas inscritas nessa classificação, mas que elas movimentam uma parcela relativamente pequena de recursos, em média de R$ 300 milhões mensais.

Em um segundo momento, o BC fez um filtro para identificar as bets que não estão classificadas no setor econômico apropriado. Com base nesses critérios, foram identificadas 56 empresas que somaram, em agosto, R$ 20,8 bilhões de transferências recebidas.

A identificação foi feita com base em citações na internet e na aplicação de filtros com características típicas de transferências de apostas, como número de pessoas que fizeram transferências, número de transações, tíquete médio e concentração das transferências em determinados horários.

“Muitas das empresas que operam jogos de azar e apostas on-line o fazem sob nomes que não correspondem aos divulgados na mídia, e várias delas não estão corretamente classificadas no setor econômico apropriado. Isso exige uma identificação criteriosa. Além disso, muitas dessas empresas não atuam exclusivamente no setor de apostas, podendo ser substituídas ao longo do tempo, o que torna a análise ainda mais complexa”.

Na manhã dessa terça-feira (24), o presidente do BC, Roberto Campos Neto, já tinha alertado sobre o crescimento acelerado das apostas em ‘bets’ no país, o que considera preocupante, especialmente para o aumento da inadimplência das famílias. Ele disse que é trabalho da autarquia levar ao governo a preocupação sobre esse tema.

“A correlação entre pessoas que recebem Bolsa Família, pessoas de baixa renda, e o aumento das apostas tem sido bastante grande. A gente consegue mapear o que teve de Pix para essas plataformas, e o crescimento de janeiro para cá foi bastante grande. A gente pega o ticket médio e subiu mais de 200%. É uma coisa que chama atenção e a gente começa a ter a percepção de que vai ter um efeito na inadimplência na ponta”, comentou.

O governo também está ciente do problema. Na semana passada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o governo vai enfrentar a “dependência psicológica dos jogos” no país. A Fazenda vai bloquear a partir de 1º de outubro as empresas de apostas on-line que ainda não se regularizaram.

Perfil dos apostadores

O BC estimou que cerca de 24 milhões de pessoas físicas participaram de jogos de azar e apostas, realizando ao menos uma transferência via Pix para essas empresas durante o período analisado.

Em relação ao perfil dos apostadores, a maioria tem entre 20 e 30 anos, embora as apostas sejam realizadas por indivíduos de diferentes faixas etárias. O valor médio mensal das transferências aumenta conforme a idade: para os mais jovens, o valor gira em torno de R$ 100 por mês, enquanto para os mais velhos o valor ultrapassa R$ 3.000 por mês, de acordo com os dados de agosto de 2024.

Esses números se originam de um primeiro levantamento feito pelo BC, com base em estimativas de valores apostados em agosto de 2024 a partir de transações via Pix. Para identificar as pessoas em grande vulnerabilidade financeira, utilizou-se a informação de beneficiários do programa existente em dezembro de 2023. Cerca de 17% desses cadastrados apostaram no período.

Segundo o BC, os resultados estão em linha com outros levantamentos que apontam as famílias de baixa renda como as mais prejudicadas pela atividade das apostas esportivas.

“É razoável supor que o apelo comercial do enriquecimento por meio de apostas seja mais atraente para quem está em situação de vulnerabilidade financeira. O BC está atento ao tema e precisa ainda de mais dados e tempo para avaliar com maior robustez suas implicações para a economia, a estabilidade financeira e o bem-estar financeiro da população”.

Fonte: O Globo

Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

 

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