KL Jay, dos Racionais MC’s, conta como o vitiligo se relaciona com sua missão de vida

Figura lendária do rap nacional, KL Jay, 54 anos, revela em depoimento para a Billboard Brasil como sua jornada com o vitiligo se aproxima de sua jornada com o autoconhecimento, seus ideais de influência, e sua verdade como um sonhador nato. Confira abaixo o relato.

“Tudo começou quando eu tinha dez anos. Pelo menos é o que eu acho. Ficava brincando com um portão de casa, empurrando com o pé. Em uma das vezes, aporta bateu com muita força na minha canela. A pancada fez uma ferida que, depois de cicatrizada, deixou uma mancha branca que não saiu mais. Minha pele nunca voltou ao normal.

Mais de uma década depois, aos 26 anos, a mãe de um dos meus filhos, que é da área da saúde, notou que havia aparecido uma pintinha branca no meu braço. Logo, ela já avisou que aquilo era um indício de vitiligo e que poderia se espalhar por todo o meu corpo. Eu não dei atenção, era novo. Com o tempo, mais manchas começaram a aparecer.

Passei a estudar o vitiligo e entendi que é uma condição autoimune que pode ser provocada por questões psicológicas e de alimentação. O meu tipo é o universal, que atinge todo o corpo. Mas não o enxergo como uma doença, porque não está me limitando em nada. Atualmente, estou fazendo um tratamento com um médico muito competente que, apesar de não poder prometer que vou ter minha cor de volta, garantiu que as manchasse estabilizariam. Estou passando cremes que ajudam na produção de melanócitos, ou seja, que promovem a melanina no corpo, e estou em uma dieta sem glúten e farinha de trigo. Pessoas próximas falaram que em algumas regiões, como nariz e braços, a pele está melhorando aos poucos.

O vitiligo é assim, vai tirando sua melanina devagar e você não vai percebendo. De repente, se passaram 25 anos e você está com 40% da sua pele sem cor. Oito anos atrás, em uma viagem a trabalho para Goiânia, estava no avião e, no momento em que os passageiros se levantaram para desembarcar, um menino parou com a mãe ao meu lado –eu ainda estava sentado. Ele olhou para o meu braço e perguntou se a tinta havia saído. O avião ficou naquele silêncio constrangedor. E eu respondi, rindo, que sim, tinha saído. Desde então, tenho usado essa resposta para todas as pessoas ruins que tentam me diminuir por conta do vitiligo. Ainda com as crianças, quando questionado, brinco que sou um dos mutantes dos ‘X-Men’. Eles olham para os pais chocados.

Não é algo que afeta a minha autoestima, afinal, o hip-hop é uma cultura ancestral e afrofuturista. Quando passei a estudar e entender minhas raízes, minha relação comigo mesmo mudou. O vitiligo é só um acessório a mais que tenho em mim. Quando você gosta de você antes de procurar pela aprovação dos outros, certas coisas, como a minha falta de alguns dentes–uma das coisas mais pesquisadas sobre mim no Google– e o vitiligo se tornam invisíveis. Eu penso até que fiquei mais bonito. Inclusive, as mulheres me falam que eu fiquei ainda mais lindo. Se o Michael Jackson tinha vitiligo, por que eu não posso ter? Muita gente tem medo de conversar comigo sobre isso, pensam que eu vou achar ruim, mas não vejo nenhum problema em falar, desde que seja com respeito.

Sempre recebo mensagens, ou relatos ao vivo, de pessoas que tiveram a vida marcada por algum som que eu toquei, mas também houve ocasiões em que minhas palavras ficaram na cabeça das pessoas. Teve um encontro desses em que eu fiquei até em choque. No bar Prato do dia, em São Paulo, uma moça se aproximou e contou que um dia me ouviu ao vivo no programa ‘Balanço Rap’, que o Ice Blue [dos Racionais MC’s] apresenta na rádio 105 FM aos domingos. Eu havia falado que a música cura e que se alguém estivesse deprimido, era para ouvir algo bonito. E aquela mulher revelou que ela estava pensando em tirar a própria vida e minhas palavras e as músicas que eu toquei, de fato, a curaram naquele momento.

Eu não quero usar a minha plataforma como muitas pessoas por aí, expondo amores, filhos, nem diamantes.Ou seja, mostrando uma vida que é diferente da realidade. Isso é um apelo que eu faço para todas as pessoas públicas nas redes sociais. Eu quero ser responsável com a minha influência e falar sobre questões importantes, que possam mudar a mentalidade das pessoas e inspirá-las. Como o vitiligo, minha militância pelo vegetarianismo e uma melhor alimentação, questões políticas, raciais e até sobre paternidade. Quero inspirar de verdade quem me acompanha. Para fraseando o primeiro filme do ‘Homem Aranha’: ‘Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades’.

Esse lugar de inspiração também tem a ver com o fato de que, hoje, aos 54 anos, ainda estou realizando sonhos, como inaugurar nos próximos meses o meu primeiro bar, no centro de São Paulo, chamado Katarina. Sempre quis ter uma fi-ha com esse nome. Sigo tocando em festas, que é a minha maior paixão, sendo DJ dos Racionais MC’s, o que até resultou em ser homenageado pelo Vai-Vai no Carnaval de São Paulo ao lado dos meus ‘maridos’, Mano Brown, Ice Blue, e Edi Rock.

Administro uma gravadora, um selo, e tenho uma marca de roupas, a 4P_original. Além de tudo isso, també msonho em ter mais propriedades e em abrir uma instituição dedicada a crianças autistas. Seria incrível. Quem sabe até ter um banco. Parece viagem, mas não seria só para ter lucro, e, sim, para ajudar as pessoas a abrirem seus negócios com menores taxas. Já pensou, um KL Jay Bank?”

The post KL Jay, dos Racionais MC’s, conta como o vitiligo se relaciona com sua missão de vida appeared first on Billboard Brasil.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.