Privatizar praias é legal no Brasil? Entenda

A polêmica sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº3/22, que busca eliminar a propriedade exclusiva da União sobre terrenos de marinha, envolve ambientalistas, políticos, especialistas em direito, influenciadores e até o jogador de futebol Neymar. Apresentada pelo ex-deputado federal Arnaldo Jordy, a PEC prevê a transferência dessas propriedades para estados, municípios e iniciativa privada.

O tema foi discutido em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e recebeu parecer favorável do relator, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). No entanto, surge a dúvida: afinal, essa privatização é legal no Brasil?

A resposta é clara e direta: não. Atualmente, a Constituição Federal e a Lei Federal nº 7.661/1988 asseguram que praias e terrenos de marinha são bens da União, com livre acesso garantido ao público e privatização proibida.

“Não basta modificar a redação do texto constitucional para transferir o litoral brasileiro para o âmbito da iniciativa privada. Determinados recursos, tais como as praias, os rios, o mar territorial, o espaço aéreo, são utilidades de inegável interesse do Estado brasileiro. E, por força das finalidades do próprio Estado Democrático de Direito, não podem ficar sujeitas aos interesses eminentemente privados”, explica o advogado especialista em direito administrativo Marcus Pessanha.

Segundo a legislação vigente, a área de marinha é definida pelo Decreto-lei nº 9.760, de 1946, que usa a Linha do Preamar Média (LPM) baseada nas marés máximas do ano de 1831 para delimitar uma faixa de 33 metros do mar em direção ao continente.

Prejuízos ambientais e sociais

A aprovação da PEC poderia acarretar sérios prejuízos ambientais e sociais, dizem especialistas. A diretora do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente, Ana Paula Prates, em entrevista à Rádio Nacional, alertou que a privatização dos terrenos de marinha pode levar ao fechamento dos acessos às praias, que são bens comuns da sociedade brasileira.

Além disso, a medida poderia favorecer a ocupação desordenada, ameaçando ecossistemas e tornando esses terrenos mais vulneráveis a eventos climáticos extremos. Prates acrescentou que a PEC não privatiza diretamente as praias, mas pode levar ao fechamento dos acessos às áreas de areia.


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“Na hora em que esses terrenos todos que ficam após as praias forem privatizados, você começa a ter uma privatização do acesso a elas, que são bens comuns da sociedade brasileira”, afirma Ana Paula Prates.

Max Kolbe, especialista em direito constitucional, destaca que a privatização das praias seria um “desserviço a toda a sociedade” e aumentaria a desigualdade social no país.

“Seria um desserviço a toda a sociedade. A praia presta um serviço social indiscutível, no que tange à própria preservação da natureza, do meio ambiente, à questão do lazer, onde todos aqueles, independentemente de serem brasileiros ou não, teriam tecnicamente o direito de desfrutar daquele ambiente, independentemente de realizar algum tipo de pagamento”, diz.

Durante audiência pública na última segunda-feira (27/5), Carolina Stuchi, representante da Secretaria de Gestão do Patrimônio da União, alertou para os riscos patrimoniais e ambientais da proposta. Segundo ela, a PEC poderia causar “um caos administrativo”, devido à existência de cerca de 3 milhões de imóveis não registrados nessa faixa.

“A PEC favorece a ocupação desordenada, ameaçando os ecossistemas, tornando esses terrenos mais vulneráveis a eventos climáticos extremos. A proposta ainda permite a privatização e cercamento das praias, trazendo impacto no turismo e na indústria de pesca”, acrescentou Stuchi.

“Inseguranças jurídicas”

Os defensores da PEC, incluindo o relator Flávio Bolsonaro, afirmam que a medida não visa à privatização das praias, mas sim à regularização das propriedades nos terrenos de marinha. Eles argumentam que a descentralização da gestão desses terrenos para estados e municípios pode trazer benefícios locais, permitindo um desenvolvimento mais alinhado às necessidades regionais.

Em seu parecer, o senador Flávio Bolsonaro destacou que a União ainda não demarcou totalmente os terrenos de marinha e criticou a insegurança jurídica gerada pelo processo de demarcação.

“Não nos parece justo que o cidadão diligente, de boa-fé, que adquiriu imóvel devidamente registrado e, por vezes, localizado a algumas ruas de distância do mar, perca sua propriedade após vários anos em razão de um processo lento de demarcação. O fato é que o instituto terreno de marinha, da forma que atualmente é disciplinado pelo nosso ordenamento, causa inúmeras inseguranças jurídicas quanto à propriedade de edificações”, defendeu o senador.

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