Esses bonecos hiper-realistas que estão no noticiário, se é que ainda estão, são coisa de louco. Estou falando dos chamados “bebês reborn”.
Os mais caros podem ser comprados envoltos em um simulacro de placenta, nascem da simulação de um parto na loja (a “maternidade”) e saem de lá com um enxoval cujo tamanho depende do tamanho do bolso de cada um. O gênio comercial produziu até uma caderneta de vacinação de mentirinha a ser preenchida em retornos periódicos à loja.
A questão no noticiário é que o brinquedo infantil, uma forma lúdica de adestrar sentimentos, cimentar valores e adquirir comportamentos para inserir-se no mundo, tornou-se obsessão de uns poucos adultos — o que, no jornalismo, é o suficiente para virar assunto de importância capital.
Em resumo, há marmanjos tratando o seu bebê reborn como se fosse recém-nascido de verdade.
Sem entrar nas suas causas primárias, que dependem da história de cada um, a atração obsessiva por objetos leva o nome de objetofilia.
Não é necessariamente um transtorno mental, se ela não interfere na sua rotina. Por exemplo, pegue-se quem conserva e cerca de cuidados um carro antigo e o vê como se fosse amigo de longa data, com história comum que evoca boas lembranças.
Tal não é o caso das pessoas que enxergam um filho em um bebê reborn. O tempo dedicado ao boneco é grande demais para não ser considerado anômalo. Entra-se aí no campo da patologia psíquica, da coisa de louco.
No seu hiper-realismo, contudo, os bebês reborn significam também um empobrecimento do imaginário infantil, e essa é a minha questãozinha dominical.
Uma criança com imaginário rico é capaz de emprestar alma a bonecos que não replicam a realidade como cópias perfeitas e que permanecem no terreno do esboço, da sugestão, a ser povoado pela fantasia. É assim desde tempos imemoriais, como se pode constatar por brinquedos de antigas civilizações recolhidos em grandes museus.
A linda capacidade infantil foi explorada literariamente pelo italiano Carlo Collodi, em Pinóquio, história fabulosa impregnada de moralidade, sobre um boneco de madeira que passa por grandes vicissitudes para se tornar um menino de verdade.
Se o Pinóquio de Collodi precisou de uma fada para agir como menino até se transformar em um, a Emília de Monteiro Lobato, autor tão vilipendiado pela insanidade politicamente correta, não teve necessidade de intermediação e continuou, até o final de Sítio do Picapau Amarelo, como boneca espevitada, animada pela fantasia dos demais personagens e dos leitores — o que a torna uma criação ainda mais genial.
Emília é o oposto de um bebê reborn, “uma boneca de pano bastante desajeitada de corpo, feita por Tia Nastácia, com olhos de retrós preto e sobrancelhas tão lá em cima que é ver uma bruxa”.
Há, no entanto, mais verdade em Emília do que em um boneco hiper-realista. Porque a verdade humana é, em boa parte, fruto da nossa fantasia.