Morador de rua absolvido pelo 8/1 foi chamado de “patriota” e petista

“Nem Lula, nem Bolsonaro”, afirmou o morador de rua Geraldo Filipe da Silva, 27 anos, o único réu do 8 de janeiro absolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Na verdade, ele não tem nem título de eleitor válido e sequer votou em algum candidato nas eleições de 2022. Sem casa, o homem estava no lugar errado e na hora errada quando foi detido junto a bolsonaristas pelos ataques antidemocráticos.

“Eu tinha jantado no Centro Pop, aí fui para o Posto da Torre e vi uns helicópteros, uma confusão para o rumo da Esplanada e desci para ver o que era”, detalhou Geraldo. “Cheguei ao local e vi a confusão”, contou. “Não entendi nada, não sabia o que estava acontecendo”.

A história dele se assemelha com o clássico filme Forest Gump, que, por acidente, é testemunha de acontecimentos marcantes da história. Meses antes de ser preso, Geraldo Filipe também era andarilho no centro do poder quando viu do alto de um trio elétrico Bolsonaro discursar. “Eu dormia por ali embaixo dos Santos da Catedral, então ficava por lá e via tudo”.

No fatídico 8 de janeiro, ao chegar em meio à multidão em frente às sedes dos Poderes, ele foi chamado pelos manifestantes golpistas de infiltrado. Também o chamaram de petista e ameaçaram espancá-lo. As agressões foram registradas em vídeo usado pela defesa para conseguir a absolvição.


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Quando os golpistas foram detidos, Geraldo estava no meio da baderna e foi encaminhado ao Complexo Penitenciário da Papuda junto aos demais “patriotas”. Na cadeia, ele passou 320 dias. Foi lá que descobriu que Bolsonaro tinha filhos. “Até então, não sabia quem era”. Foi na cadeia também que ouviu falar em “socialismo”.

Mesmo preso e acusado de tentar derrubar o governo eleito de Lula, foi chamado de petista pelos colegas de cela. Sem saber os direitos civis, Geraldo se agarrava em um dos conhecimentos legislativos que mais usou na vida. “Eu ficava defendendo a Lei da Assistência Social e me chamavam de esquerdista”. Ele também foi apontado como integrante do Comando Vermelho e do Primeiro Comando da Capital (PCC).

Geraldo chegou a ficar um mês na solitária após se envolver em briga com outros bolsonaristas. “Sem banho de sol, sem ver ninguém, sozinho mesmo”. Ele acredita que ficou lá por perseguições dos bolsonaristas. “Emagreci 10 kg quando saí”.

O morador de rua teria transtornos mentais e mania de perseguição, conforme a defesa argumentou para soltura do réu. Geraldo acredita que o celular dele foi clonado e que tem eletrodos implantados na cabeça.

Mesmo absolvido, Geraldo ainda tornozeleira no pé e teme que o instrumento seja usado para encontrá-lo por quem o persegue. Desconfiado da própria advogada, ele conta que a bloqueou após sair da cadeia.

Atualmente, ele mora sozinho em um barraco alugado pela mãe, em Taguatinga. O rapaz informou que não tem renda e que dependia do Auxílio Emergencial, além de pedir ajuda para conseguir se sustentar. Interessados em ajudar podem entrar em contato pelo Instagram dele, neste link.

Ele pretende processar o Estado pelo tempo que passou detido, mas no momento não tem mais advogado.

Absolvido por unanimidade

Na sexta-feira (15/3), o Plenário Virtual do STF concluiu, por unanimidade, que Geraldo Filipe da Silva é inocente, julgando improcedente as denúncias de associação criminosa armada, da abolição violenta do Estado Democrático, de golpe de Estado, de deterioração do Patrimônio tombado e de dano qualificado pela violência e grave ameaça.

“Não há elementos probatórios suficientes que permitam afirmar que o denunciado uniu-se à massa, aderindo dolosamente aos seus objetivos, com intento de tomada do poder e destruição do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal”, disse o ministro Alexandre de Moraes em seu voto.

O morador de rua é o primeiro a ser absolvido. A PGR apresentou ao menos 1,4 mil denúncias contra acusados dos ataques golpistas, mas parte deles pode ser beneficiada por acordos de persecução penal, que evitariam julgamentos pelo STF.

Em fevereiro de 2023, o subprocurador-geral Carlos Frederico Santos denunciou Geraldo Filipe da Silva e outros detidos em Brasília pelos supostos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado, golpe de Estado, uso de substância inflamável, deterioração de patrimônio tombado, concurso de pessoas e concurso material. O STF aceitou a denúncia e tornou Silva réu ainda em fevereiro.

Em novembro, o subprocurador-geral recuou e pediu a absolvição e a liberdade de Silva, citando que ele é uma pessoa em situação de rua. A PGR apontou que não havia provas o suficiente para processar o réu, que não tinha qualquer relação com os golpistas que saquearam as sedes dos Três Poderes e tampouco participou de manifestações golpistas, a exemplo do acampamento na frente do Exército nas semanas anteriores.

Moraes deu liberdade provisória a Silva no mesmo mês, mas não aceitou o pedido da PGR para arquivar o processo.

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