“Travestis podem ocupar literatura”, diz autora de livro em pajubá

Neca, nenar, acué, amapô são palavras que permeia o texto de Neca, novo livro de Amara Moira. Os vocábulo não são neologismo, tratam-se de uma língua nascida nas ruas do Brasil, falando por transsexuais e travestis. O pajubá (ou bajubá) agora chega a literatura, abrindo um olhar para os novos espaços ocupados pelo dialeto.

“Entendo que o pajubá deixou de ser uma língua da rua, que nasceu como forma de proteção de travestis que trabalhavam com a prostituição, e foi apropriado pelas novas gerações como uma manifestação política, de que pessoas trans podem chegar a outros espaços, como a literatura”, explica Amara Moira, em entrevista ao Metrópoles.

A colocação de Amara Moira, que é uma mulher trans, encontra espaço na cultura. Nos últimos anos, a linguagem conquistou diferentes espaços. A cantora Linn da Quebrada lançou, em 2007, o disco Pajubá. Em 2018, essa forma de expressão também foi tema de uma questão do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

 

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A presença do pajubá em diferentes áreas, na visão da escritora, é também um sinal de que travestis e transexuais podem quebrar a expectativa social construída sobre esse grupo ao longo dos anos – o Brasil lidera o ranking de mortes de travesti e transexuais no mundo, segundo relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

“Escrever o livro em pajubá é uma quebra de expectativa, uma forma de mostrar para a sociedade que nossa existência pode ocupar espaços que não aqueles reservados para nós durante anos”, opina Moira.

Doutora em psicologia e professora da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), a pesquisadora Dodi Leal argumenta que o movimento atual “amplifica a potencialidade oral” da tradição oral da comunidade LGBTQIAPN+.

“O pajubá, quando difundido na literatura, nos meios virtuais e também na música, contribui muito no sentido de expansão”, avalia a professora. Dodi também avalia as novas dimensões e tratamentos dado à linguagem. “É possível conciliar a expansão com a preservação desse saber que é intraduzível para o português”, argumenta.

Rejeição e transfobia

Dodi Leal defendeu, em artigo, que o pajubá cumpre requisitos para ser considerado Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

“A expressão da população transvestigêneris no Brasil está diretamente relacionada ao pajubá, então a proteção do pajubá como patrimônio é também uma forma de proteger as nossas vidas”, explica Dodi.

O pajubá, assim como outras possibilidades de linguagem, inclusive como o uso de pronomes neutros, desperta reações negativas em setores conservadores da sociedade.

Amara Moira entende que, além de desinformação, essas reações estão conectadas a preconceitos. “Ainda hoje há grupos que não aceitam travestis ocuparem espaços que não a rua e a prostituição”, afirma a escritora.

Em Neca, que narra o reencontro de uma travesti com um antigo amor, anos mais jovem – que está começando a trabalhar nas ruas – Amara quis também romper o estereótipos “literários” criados sobre ela.

Doutora em letras e professora de literatura, Amara é autora também de E Se Eu Fosse Puta, livro em que narra sua trajetória como garota de programa.

“Decidi por escrever um romance ficcional, porque minha produção anterior é muito autobiográfica e existe essa ideia de que quando [travestis] vão escrever tem que ser sobre dores, não romances”, conclui Amara.

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