O sistema de Justiça criminal e os homicídios no Distrito Federal

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios divulgou dois relatórios extraídos do sistema Verum, mantido pelo Núcleo de Defesa da Vida. O fluxo do sistema de Justiça criminal dos crimes de homicídio consumado que acontecem no Distrito Federal é acompanhado desde o momento do crime, até o julgamento do réu em Sessão Plenária pelos jurados.

O Verum em números está em sua 3ª edição. É um anuário que conta com dados relativos aos homicídios consumados desde 2018 até 2022. Há informação sobre a quantidade de inquéritos que identificaram o autor do homicídio, quais foram arquivados e quais ainda continuam em investigação. Há informação sobre quantos dos denunciados foram julgados e, desses, quantos foram condenados. Todos os dados estão divididos por circunscrição judiciária onde o crime foi processado, e Delegacia de Polícia onde o crime foi investigado.

Concomitantemente também foi divulgado um relatório mais analítico, exclusivamente sobre os dados relativos aos homicídios consumados em 2018. Passados pelo menos 5 anos desde o cometimento do crime, este relatório permite visualizar de forma ampla a atuação do aparato policial e jurisdicional nos homicídios no Distrito Federal.

A página do Departamento de Justiça Norte Americano diz que “law enforcement” compreende as agências e servidores públicos responsáveis por fazer cumprir a lei, garantir a ordem pública e garantir a segurança pública. Indica que suas principais tarefas incluem a investigação e prisão dos indivíduos que são suspeitos de cometerem crimes. Não há uma boa tradução para a expressão norte-americana. Nós temos aqui as forças de segurança pública que são as polícias, militar, civil, de trânsito e rodoviária. Nós temos um sistema de Justiça criminal em que atuam a polícia civil e o Ministério Público, perante o Poder Judiciário. Mas não discutimos, pelo menos não da forma como deveríamos, “law enforcement”.

Um dos objetivos do Ministério Público com o sistema Verum é produzir informação de qualidade sobre o sistema de Justiça criminal, sob a perspectiva do que seria o law enforcement brasileiro. Com isso, de alguma forma, fomentar o debate importante, que nos parece escamoteado: qual a capacidade do sistema de Justiça criminal brasileiro de fazer cumprir a lei? Quais as nossas eficiências e ineficiências? Quais as consequências de nossos sucessos e nossos fracassos para a segurança e ordem públicas?

Os números extraídos do sistema Verum publicados pelo MPDFT indicam que, aqui no Distrito Federal, o Poder Público tem conseguido entregar justiça para os casos de homicídios consumados. Apontam para uma investigação eficiente, com boa taxa de elucidação de casos. Para uma pronta atuação do Ministério Público no oferecimento das acusações e promoção da ação penal. E para a celeridade do Poder Judiciário no processamento e julgamento dessas ações penais.

Ao longo dos anos, desde 2018 até 2021, a taxa de elucidação desses crimes no Distrito Federal gira em torno de 70%. Isso quer dizer que em 7 de cada 10 homicídios analisados, o autor do crime foi identificado. É um número que fica acima das estimativas para a média de resolução de homicídios no Brasil e mesmo nos Estados Unidos.

Após a identificação da autoria de um homicídio, no mais das vezes, haverá uma denúncia oferecida pelo Ministério Público, dando início à ação penal que irá garantir ao acusado plenos direitos de defesa. No entanto, quando menores de 18 anos de idade praticam assassinatos, é instaurado um procedimento de apuração de ato infracional, cujo escopo não é punir o adolescente ou criança, e sim reeducá-lo. Isso ocorre porque são considerados inimputáveis. Também não haverá ação penal quando o autor estiver morto, pois nesse caso há extinção da punibilidade e o inquérito é arquivado.

O relatório analítico acerca dos homicídios consumados em 2018 indica que foram oferecidas 247 denúncias, e 75% dos réus levados a julgamento foram condenados. Com relação aos feminicídios, que são os homicídios cometidos contra mulheres em razão de seu gênero, foram oferecidas 20 denúncias, e não houve absolvição nos 19 processos já julgados. O único caso sem julgamento trata de um acusado que ficou foragido até meados de 2024, foi localizado, está pronunciado e aguarda o julgamento preso preventivamente.

Quando se pensa na dimensão preventiva que o sistema de Justiça criminal pode ter, amparada na ideia de uma responsabilização que iniba o cometimento de outros crimes, há o vetor individual: o assassino preso, pelo menos enquanto preso, não pode cometer outros homicídios. Mas há também a prevenção geral positiva: a punição reforça a validade da norma violada. Sim, houve um homicídio. Porém, seguem sendo proibidos os homicídios, e a prova disso é que o assassino foi punido. O reforço da validade da norma depende de seu cumprimento. Estamos falando, portanto, de “law enforcement”.

Para além da capacidade de elucidação dos crimes e punição de seus autores, o relatório dos homicídios consumados em 2018 nos aponta para um julgamento célere, consideradas as normas que regem o devido processo legal brasileiro. A mediana de tempo entre a data do fato e o julgamento do acusado perante o Conselho de Sentença ficou em aproximadamente 2 anos. Isso quer dizer que metade dos casos foram julgados em até 2 anos. Período em que houve investigação, denúncia, processo, pronúncia, eventual recurso e sessão plenária de julgamento popular.

Um sistema de Justiça criminal que funciona com efetividade parece ter contribuído para a redução de homicídio que o Distrito Federal experimenta desde o ano de 2013. Dos absurdos 792 homicídios no ano de 2012, foram 261 homicídios registrados em 2022. Uma queda na importância de 67% no número de assassinatos, em uma década.

Os números de homicídios seguem em queda no Distrito Federal, e estima-se que tenham ficado próximos de 200 no ano de 2024. Os feminicídios, por outro lado, seguem sendo um desafio. A discussão sobre os números do sistema de Justiça criminal é imprescindível para que os formuladores de políticas públicas de segurança possam tomar decisões embasados em evidências. O Ministério Público, com a publicação dos relatórios anuais do sistema Verum, faz um convite nesse sentido, aos poderes constituídos e à sociedade.

  • Raoni Parreira Maciel é promotor de Justiça e coordenador do Núcleo de Defesa da Vida do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)
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