Os nós do Lula 3 (por Gaudêncio Torquato)

Começo lembrando que o presidente Luiz Inácio não consegue se afastar dos “nós”, a começar por este pronome pessoal, que se contrapõe ao pronome “eles”, usado pelo PT para delimitar os territórios entre bons e maus, habitantes do céu e os do inferno. Vez ou outra, mesmo policiado por marqueteiros, que devem aconselhá-lo a não fazer mais esta inflexão, Lula esquece o país de 2025, resgata os idos de ontem, para cair nas valas que separam dois Brasis, esse refrão petista do “nós e eles”.

Não consegue também livrar-se dos “nós”, o entrelaçamento de cordas e cordões, cujas extremidades passam uma pela outra, apertando-se. Tentarei detalhar esse aperto com a ajuda do ex-ministro de Salvador Allende, Carlos Matus, autor da teoria conhecida como PES – Planejamento Estratégico Situacional. Para melhor entendimento, a PES difere do planejamento tradicional, ao tentar explicar a realidade e formular planos de governo.

Explica Matus: a ação global de um governo resulta da análise de três balanços ou, nos termos que prefiro usar, de três “nós”: a gestão política, a gestão macroeconômica e o intercâmbio de problemas específicos. No meio do mandato, o governo Lula III merece se submeter a um exame para avaliar os três “nós”.

Direto à pergunta: qual o balanço do Lula III no início desse terceiro ano de mandato? O governo tem sido eficiente na estratégia de estabilizar a economia? Tem feito boa articulação política? E na sintonia governamental, consegue equilibrar os instrumentos de sopro, os tambores e as cordas de sua orquestra?

Tentemos algumas respostas. Na área econômica, o último buraco do cinturão de Fernando Haddad sinaliza para a desaceleração do PIB de 2025, em comparação a 2024. A economia irá crescer apenas 2,5%, enquanto o ministro, sob a ameaça de recessão, descarta uma política para estimular setores defasados. A inflação pode ultrapassar os 5%. Esses patamares apontam para uma estrada esburacada que pode deixar o carro do Lula III no atoleiro e fechar a vereda de 2026, quando o presidente espera que as sementes jogadas sobre os terrenos desiguais do território lhe darão farta safra.

Sem economia forte, Lula vê ameaçado seu projeto de reeleição. Se perceber que pode perder, tem na manga pelo menos três nomes para tomar seu lugar: o chefe da Fazenda, Fernando Haddad; Rui Costa, ministro da Casa Civil; ou Camilo Santana, ministro da Educação. Lula só enfrentará o pleito se os brasileiros tiverem condições de fazer suas feiras semanais lá pelos meados de 2026. Do contrário, não arriscará. A temperatura da economia, por seu lado, impacta o corpo político, sendo possível afirmar, sob esta hipótese, que deputados e senadores apresentarão altas faturas para dar andamento aos programas governamentais.

O presidente parece meio atordoado. Desceu do palco onde se exibia, como eventual intermediário da Paz, liderando um acordo entre Rússia e Ucrânia; acaba de ser colocado em escanteio pelo presidente Volodomir Zelenski, da Ucrânia, que o enxerga como um obreiro afinado com Vladimir Putin. Zelenski avisa que contará mesmo com Donald Trump para se chegar a um acordo de Paz.

Lula está na descida. Já não é mais a figura confiante dos tempos dos dois mandatos anteriores. Mais e mais se vê um comandante cansado da jornada, apelando para que seus ministros lhe mostrem resultados, não apenas lero-lero. Exige, doravante, que tudo passe pelos olhos de Rui Costa, desconfiado da autonomia de alguns companheiros da Esplanada, que preferem jogar no time do Eu e não na equipe do Nós.

Como se vê, o nó da economia não está ajustado. O cinturão da política está com o pino fora do buraco. E a orquestração do ministério padece da falta de unidade. E a área social? onde são aplicados os bilhões destinados à área social? No Bolsa Família, no Minha Casa, Minha Vida, no Pé-de-Meia, mas todos esses programas já estão incorporados à rotina dos necessitados, que acham um dever de o Estado-provedor arcar com eles. Não são, portanto, uma concessão do governo Lula.

Ademais, a área social padece com a precariedade dos serviços públicos, os mais diretamente ligados às demandas urgentes das populações, como saúde, habitação, saneamento básico, segurança, transportes etc. O saneamento é uma tragédia; apenas 10% da estrutura urbana do país dispõem de água encanada e esgoto. A saúde é uma zika-vírus (com desculpas pela imagem). A dengue avança sobre regiões, queimando a imagem positiva da saúde. A ministra Nisia, da Saúde, está no olho do furacão.

O fato é que o balanço não é positivo, principalmente quando o presidente, vestido com o manto do PT, afirma que irá realizar o maior governo de todos os tempos. Nem ele acredita mais no dito. O Brasil abriria as portas de seu ciclo de ouro, essa mesma promessa que Trump promete para os EUA, com seu MAGA (Make America Great Again).

Para fechar, uma historinha sobre o nó. Alexandre Magno é o protagonista. Quem conseguisse desatar o nó que unia o jugo (peça de madeira usada para atrelar os bois à carroça) à lança do carro de Górdio, rei da Frígia, dominaria a Ásia. Muitos tentaram. Não conseguiram. Foram a Alexandre. Ele tinha duas opções: desatar o nó ou cortá-lo com a espada. Optou pela via mais rápida e certeira com um golpe. Sabia que perderia tempo tentando desatá-lo. E assim o nó górdio entrou para a história.

Se o guerreiro fosse Lula, estaria ele, ainda hoje, tentando desatar o nó.

 

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor emérito da ECA-USP e consultor

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