DoxiPEP: Brasil estuda adoção da pílula de dia seguinte contra sífilis

Uso da doxiciclina como ferramenta de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), estratégia conhecida DoxiPEP, ganha cada vez mais adeptos no Brasil, ainda que não seja regulamentado no país.

O antibiótico é usado em estudos científicos ao redor do mundo como estratégia de prevenção especialmente da sífilis e da clamídia, mas de forma off-label, ou seja, sem recomendação em bula.

Nestes casos, o remédio funciona como uma espécie de pílula do dia seguinte: quando é feito sexo oral, anal ou vaginal sem preservativo, os envolvidos deveriam tomar dois comprimidos do remédio entre 24 e 72 horas após a exposição, o que poderia reduzir os riscos de ISTs de origem bacteriana.

Segundo a coordenadora-geral de Vigilância das Infecções Sexualmente Transmissíveis (Cgist), Pâmela Cristina Gaspar, o uso da doxiciclina como profilaxia indicada contra a sífilis está em avaliação para implantação no  Sistema Único de Saúde (SUS), mas ainda não há prazo para uma eventual adoção em larga escala.

“Estamos realizando análise técnica de evidências científicas e de impacto orçamentário. Entretanto, como a doxiciclina compõe uma classe de antimicrobianos utilizada para diversas infecções na rotina clínica, para ter uma DoxiPEP será importante fortalecer o monitoramento da resistência antimicrobiana em bactérias possivelmente relacionada a elas”, afirma.

Benefícios da DoxiPEP

A DoxiPEP tem sido defendida nos últimos três anos em congressos e artigos médicos para tentar conter a onda crescente de casos de sífilis no mundo. No Brasil, por exemplo, o Ministério da Saúde aponta que desde 2021 os diagnósticos cresceram em média 11% ao ano.

Um estudo divulgado na JAMA Internal Medicine em 6 de janeiro destacou que a DoxiPEP ajudou na prevenção de ISTs ao ser adotada em São Francisco, nos Estados Unidos. Após 13 meses de comparação, os usuários do protocolo tiveram 49% menos diagnósticos de clamídia e 51% menos de sífilis em relação ao que era projetado.

A pesquisa, como a maioria das investigações feitas até agora sobre a DoxiPEP, foi realizada com públicos que já usam a PrEP, um tratamento preventivo contra o HIV, o que torna as evidências de sua eficácia mais robustas para homens que fazem sexo com homens e para mulheres transgênero.

Enfermeira realizando teste rápido para AIDS, HIV, sífilis e hepatite em mulher.
Testes rápidos de sífilis devem ser feitos anualmente pela população sexualmente ativa

Limitações da DoxiPEP

Por trás de seus benefícios, porém, a estratégia também esconde riscos e algumas limitações. A DoxiPEP é pensada para ser ocasional e quanto menos frequente, melhor. O uso indiscriminado aumenta o risco de inflamações intestinais, pois o remédio elimina parte da microbiota intestinal, além do risco do desenvolvimento de resistência à medicação.

“A resistência bacteriana é uma preocupação real por usos inadequados e excessivos da estratégia. É uma medida de emergência, mas não deveria ser algo tão à mão. Qualquer antibiótico vai interferir na microbiota, tanto do indivíduo quanto social e, inevitavelmente, terá impactos”, diz o infectologista Ricardo Bonifácio, do Hospital Sírio-Libanês.

A administração excessiva de antibióticos pode levar ao surgimento de bactérias multirresistentes, especialmente as de gonorreia, que já apresenta resistência à doxiciclina em algumas de suas variantes. Além disso, a terapia não é eficaz contra ISTs virais, como HIV, hepatites e herpes.

Off-label no Brasil

Enquanto o Ministério da Saúde ainda está avaliando o uso da estratégia, cidades como o Rio de Janeiro já usam a doxiciclina de forma experimental. A medicação é distribuída nas unidades de Atenção Primária de forma restrita para as doses necessárias para a DoxiPEP.

A medicação é indicada principalmente para homens que fazem sexo com homens e mulheres trans, grupos com maior vulnerabilidade a ISTs.

“Não é uma estratégia para toda a população começar a utilizar. Geralmente, é para as pessoas que apresentam uma vulnerabilidade maior, que tiveram uma ou mais ISTs nos últimos 12 meses. Nestes casos pontuais, com recomendação, é uma ótima estratégia, mas não de forma disseminada”, ressalta o infectologista Vinicius Borges, especializado em ISTs.

A adoção da DoxiPEP no Brasil depende de análises técnicas e discussões com especialistas. Enquanto isso, a conscientização sobre a prevenção combinada que inclui a PrEP, os preservativos e a testagem regular de ISTs permanece como a mais indicada.

“Embora não exista recomendação oficial, sabemos que muitas pessoas, especialmente homens que fazem sexo com homens, começaram a adotar a DoxiPEP como estratégia pessoal de prevenção. É importante que se avalie os impactos deste uso e que ele seja consciente e informado em suas duas pontas, médico e paciente. A adoção da estratégia nunca deve ser feita por conta própria, sem receita”, conclui o infectologista Márcio Fernandes, do Rio de Janeiro.

Siga a editoria de Saúde e Ciência no Instagram e fique por dentro de tudo sobre o assunto!

Adicionar aos favoritos o Link permanente.