O momento da Índia (por Marcos Magalhães)

A Índia, com seus 1,4 bilhão de habitantes, será o tema de edição especial da revista norte-americana Foreign Policy em abril, mês em que a maior democracia do mundo dá início ao longo processo eleitoral que indicará seu novo governo.

A partir de 19 de abril, 960 milhões de eleitores votarão em sete fases para escolher os 543 membros de seu Congresso Nacional. Na maior eleição da história, o primeiro-ministro nacionalista Narendra Modi estará em busca de um terceiro mandato consecutivo.

As eleições, em si, já poderiam ser o tempero suficiente para levar a Índia a estar no menu principal das principais publicações globais.

Mas elas vêm acompanhadas de uma nova postura internacional do país que já representa a quinta maior economia do planeta – atrás apenas de Estados Unidos, China, Alemanha e Japão. E à frente de antigas potências como Reino Unido e França.

O país é o que mais cresce entre as principais economias. Nos últimos três meses de 2023 o crescimento foi de 8,4%, quando comparado ao do mesmo período no ano anterior. Nos três meses anteriores a taxa havia sido de 7,6%.

É verdade que o Produto Interno Bruto da Índia é quatro vezes menor que o da China, o grande vizinho ao Norte e o segundo polo de poder em um mundo cada vez mais inclinado a experimentar nova versão de guerra fria entre duas grandes superpotências.

Mesmo assim, a postura assertiva do país o tem levado a atrair atenções de grandes eventos globais, como o Fórum Econômico de Davos e a publicações de influência mundial, como a Foreign Policy.

Um dos responsáveis pela edição especial, o jornalista indiano Rishi Iyengar, que vive em Washington, afirma que é “cada vez mais inescapável” na capital americana a menção à relação entre Estados Unidos e Índia e que a própria percepção de seu país está mudando.

“A ideia do que significa ser um indiano no mundo está mudando rapidamente, assim como a Índia que é apresentada ao mundo”, avalia.

Por isso, observa, a publicação decidiu mergulhar no crescente peso econômico de seu país, assim como “suas esperanças e os desejos de sua enorme geração Z” – com menos de 30 anos.

A Índia ainda é um país jovem, no momento em que a população da China, por exemplo, começa a envelhecer. Embora 10% de sua população ainda viva abaixo da linha da pobreza, ela tem conseguido – assim como seu vizinho ao Norte – importantes conquistas.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, nos últimos 15 anos 415 milhões de indianos saíram da pobreza.

Iyengar é definido pela Foreign Policy como um jornalista que cobre a “interseção entre tecnologia e geopolítica”. Essa conexão parece se tornar mais atual quando empresas ocidentais buscam países considerados mais confiáveis que a China ao estabelecer suas cadeias globais de fornecimento.

Segundo a CNN, por exemplo, algumas das maiores empresas do mundo, como a Foxconn, que produz celulares para a Apple, começam a expandir suas operações na Índia. E a Tesla, fabricante de carros elétricos, também planeja investir no país.

O grande momento da Índia coincide com o lançamento, no Brasil, de um livro no qual o pesquisador Daniel Buarque, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, analisa o projeto do governo brasileiro de tornar-se uma potência global.

Após ouvir 94 especialistas dos cinco países que têm vagas permanentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas (Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido e França), ele observou – em entrevista ao jornal O Globo – que existem visões diferentes sobre o tema.

“O Brasil é reconhecido como um ator importante em algumas questões, como o meio ambiente”, disse Buarque. “Mas nas grandes questões globais, o Brasil não é visto como um país importante e sim como o que chamo de peão cobiçado”.

Em seus encontros com especialistas, o professor da USP ouviu comparações entre o Brasil e a Índia. Segundo os entrevistados, informou, para se tornar uma grande potência o Brasil precisa apostar no desenvolvimento.

“A Índia tem a mesma ambição e foi atrás disso construindo capacidade de poder real, com desenvolvimento econômico, poder militar, e parece seguir a fórmula mais tradicional”, comparou. “O Brasil segue uma fórmula alternativa, que até hoje não deu resultado”.

Em outras palavras, o governo brasileiro talvez acredite já dispor de um poder de influência que ainda não é plenamente reconhecido pelos países mais poderosos do planeta.

Leva tempo para obter esse reconhecimento. A ascensão da Índia, porém, parece indicar que as portas podem não estar tão fechadas assim.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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