“Trump voltou empoderado e Brasil não deve reagir”, diz ex-embaixador

Rubens Barbosa está entre os diplomatas mais tarimbados do país. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994-1999) e em Washington (1999-2004). No primeiro caso, acompanhou a transição dos conservadores para os trabalhistas. No segundo, dos democratas para os republicanos, onde também viveu períodos críticos como o 11 de Setembro e as guerras do Afeganistão e do Iraque.

Depois de ver o pêndulo político oscilar tanto e tantas vezes, ele define a melhor estratégia para enfrentar tais oscilações: o pragmatismo, e em estado puro de preferência. É isso o que recomenda, por exemplo, como o melhor antídoto contra as declarações do presidente americano, Donald Trump, que considera que retornou ao poder mais “forte e experiente”. A seguir, trechos da entrevista concedida por Barbosa ao Metrópoles.

Como o governo Trump pode, na prática, afetar as relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos?

A única coisa que realmente pode afetar o comércio entre os dois países é a questão das tarifas. Mesmo assim, ela terá efeito sobre alguns itens, como uma maior taxação sobre o aço, medida que já valeu e deixou de valer duas ou três vezes nos últimos anos. Mas, claro, para o resto do mundo essa promessa de aumento de tarifas do Trump desorganiza o comércio internacional.

De que maneira ocorre essa desorganização?

Ainda é muito cedo para avaliar. No Brasil, as pessoas ainda não entenderam que por enquanto Trump está concentrando suas ações no cenário interno americano. Isso inclui temas como imigração, meio ambiente, energia e a burocracia americana. O presidente, por exemplo, já afastou procuradores que o processaram no passado e anunciou um programa de demissão voluntária para cerca de 2 milhões de funcionários públicos. Sobre a questão internacional, o fato é que Trump ainda não colocou todas as cartas na mesa.

Mas, agora, Trump não está mirando em novos alvos como o Canadá e o Panamá.

Ela já falou sobre isso. Já disse que adoraria ver o Canadá como 51º estado americano. Isso tudo, como diz o mercado, já está precificado.

Como o senhor avalia a volta de Trump à presidência dos EUA?

Ele está mais experiente. Já serviu quatro anos e sabe como funciona a burocracia. Ele também está mais forte, porque, ao menos até agora, tem o controle da Câmara e do Senado. Trump está se sentindo empoderado para fazer qualquer coisa. Mas a sociedade americana tem instituições fortes. Então, está começando a haver uma reação à política interna americana. Vamos ver como isso evolui. O fato é que ele tomou posse há pouco mais de uma semana. É cedo para avaliar.

Como o Brasil deve reagir às frequentes declarações de Trump?

Às declarações, não deve reagir. O Brasil não tem de fazer nada do ponto de vista diplomático. Só deve responder a questões concretas, como foi o caso dos brasileiros deportados que chegaram algemados ao país. O Itamaraty convocou o encarregado americano de negócios e conversou. Você não pode ideologizar a reação do Brasil. Tem de atuar pragmaticamente na defesa dos nossos interesses.

Mas, estrategicamente, o Brasil deveria se aproximar da China, por exemplo?

A China já é o maior parceiro comercial do Brasil e já estamos assinando um acordo comercial com a União Europeia.

Como o senhor avalia a diplomacia brasileira hoje?

Ela está sem norte, porque tem considerações ideológicas. E essa avaliação inclui o governo Bolsonaro. Não tem de ter ideologia na política externa. Tem de ter defesa do interesse brasileiro. Isso sim.

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