Policial preso por desviar drogas mentiu à Justiça e prendeu inocentes

São Paulo — Preso no fim de janeiro sob a suspeita de desviar cargas de drogas — aprendidas em operações — e posteriormente vendê-las para traficantes, o chefe de investigações Cléber Rodrigues Gimenez, de 47 anos, também responde a um processo por mentir sobre a prisão de três homens, por tráfico de drogas, dos quais dois eram inocentes.

O proprietário de um estacionamento de veículos no bairro do Ipiranga, zona sul paulistana, trabalhava normalmente no dia 24 de abril de 2021. Por volta das 21h30, o homem foi surpreendido por homens armados e usando capuzes. Além dele, também estava no local um empresário, o qual pretendia embarcar em um dos dois veículos que mantinha no estabelecimento.

À Corregedoria da Polícia Civil, o dono do estacionamento afirmou que três homens encapuzados ordenaram para que deitassem no chão. Ele o cliente obedeceram, “imaginando se tratar de um assalto”, como afirmou em depoimento obtido pela reportagem. Em seguida, segue a declaração, ao menos mais dez homens armados adentraram no local, identificando-se como policiais.

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Flagrante ocorreu em estacionamento no bairro do Ipiranga

Droga era transportada em Ranger
Droga estava escondida em cilindros
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Dois inocentes foram presos após policiais apreenderam 100 tijolos de cocaína

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Flagrante ocorreu em estacionamento no bairro do Ipiranga

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Droga era transportada em Ranger

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Droga estava escondida em cilindros

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Sem tempo de explicar ser o dono do estacionamento, o comerciante foi algemado e levado para a delegacia do Corpo Especial de Repressão ao Crime Organizado (Cerco), da 5ª Seccional, na zona leste.

O cliente dele também foi algemado e levado para a mesma unidade policial, na qual juntamente com Francisco da Costa Souza, todos foram indiciados em flagrante por tráfico de drogas.

Primeira versão

Na primeira versão que registraram sobre o flagrante, os investigadores Cléber Rodrigues Gimenez e André Luiz de Matos Silva, afirmaram ter recebido informações privilegiadas de que um veículo, modelo Ranger, transportava drogas na região. A defesa de ambos não foi localizada. O espaço segue aberto para manifestações.

O veículo, segundo os policiais, chegou no estacionamento, no qual entrou transportando um cilindro na carroceria. Após isso, dois carros, que supostamente faziam a escolta da caminhonete, teriam chegado ao local. Os policiais afirmaram ainda que, quando foram abordados, os três suspeitos presos manuseavam o cilindro.

Com base no depoimento dos investigadores, o trio foi indiciado em flagrante por tráfico de drogas e preso. A versão dos policiais civis, posteriormente constatada como mentirosa, resultou em um inquérito policial, por meio do qual os três detidos foram denunciados pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) e processados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

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“Contradições escandalosas”

Posteriormente, quando relataram o caso, durante audiências, os policiais contaram outras versões sobre o flagrante, gerando desconfiança na Promotoria e na Justiça.

Cléber, ao ser indagado pelo MPSP, afirmou que os dois carros de apoio chegaram antes da Ranger, diferentemente da primeira versão, na qual afirmava que a caminhonete chegou primeiro no local.

Ele também afirmou que os suspeitos “estavam próximos” ao cilindro onde a droga era escondida. Já na primeira versão, afirmou que eles manuseavam o objeto. O outro policial se contradisse de forma semelhante.

Também chamou a atenção da Justiça o fato de que Cléber afirmou ter ficado entre cinco e dez minutos de campana, em frente ao estacionamento, e o policial André garantiu que o monitoramento durou entre 40 e 50 minutos.

“Além das contradições escandalosas em seu depoimento, talvez pior do que isso seja a afirmação de André de que prendeu o dono do estacionamento sem sequer ouvir sua justificativa para estar ali”, destacou o juiz Carlos Eduardo Lora Franco, da 3ª Vara Criminal do TJSP.

O magistrado acrescentou ainda que, além da prisão injusta (de dois inocentes0, a postura dos investigadores “joga na lama a credibilidade da própria Polícia Civil”.

Com base nas contradições e na confissão de Francisco da Costa Souza, que de fato transportava 100 tijolos de cocaína, escondidos no cilindro instalado na carroceria da caminhonete, a Justiça inocentou o empresário e o dono do estacionamento, em julho de 2021. Na ocasião, Francisco foi condenado a dez anos de prisão, por tráfico de drogas.

A confissão dele, pontuou o juiz, foi “mais verdadeira que a própria palavra dos policiais”.

Falso testemunho

Com o esclarecimento sobre o caso de tráfico de drogas, os policiais civis Cléber Rodrigues Gimenez e André Luiz de Matos Silva foram indiciados por falso testemunho. O MPSP os denunciou pelo mesmo crime e a Justiça acolheu os argumentos da Promotoria. O caso está em andamento.

Cléber Gimenez, após o indiciamento por mentir sobre um flagrante de tráfico, seguiu trabalhando e migrou para o 77º DP (Santa Cecília) onde coordenava investigações.

Ocupando o posto de chefia ele foi preso, no último dia 23, suspeito de desviar drogas apreendidas em operações e, posteriormente, vendê-las para traficantes internacionais. Ele levada as cargas, geralmente cocaína, para um galpão no Bom Retino, centro paulistano, onde eram substituídas por talco ou gesso.

Com a ajuda de ao menos um perito do Instituto de Criminalística a carga, não entorpecente, era constatada como droga pura e apreendida oficialmente em distritos policiais — deixando o caminho livre para que a cocaína desviada fosse vendida para criminosos.

Além de Cléber Gimenez, foram detidos por suposto envolvimento nesse esquema os investigadores Gustavo Cardoso de Souza, de 38, e Thiago Gonçalves de Oliveira, de 35, que eram seus subordinados no 77º DP, o empresário do ramo da construção Maxwell Pereira da Silva, de 30, e Matheus Cauê Mendes Parro, de 27. As defesas deles não foram localizadas. O espaço segue aberto para manifestações.

Como revelado pelo Metrópoles, a delegada titular do 77º DP, Maria Cecília Castro Dias, foi afastada de sua função, na tarde de sexta-feira (7/2), também suspeita de envolvimento na quadrilha de policiais civis que desvia cargas de drogas para, posteriormente, vendê-las a traficantes.

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