Falta de suporte especializado ameaça inclusão de autistas em escolas

São Paulo — A volta às aulas na rede municipal de São Paulo aconteceu há mais 10 dias, mas o filho da dona de casa Helena Mendonça ainda não colocou os pés na escola onde estuda, a Emef Julio Mesquita, no Jardim Bonfiglioli, zona oeste da capital paulista, neste ano.

Autista com grau de suporte avançado, Davi, de 11 anos, precisa de apoio especializado para acompanhar o conteúdo das aulas. Apesar disso, Helena afirma que, desde o início do ano, a escola está sem profissionais para oferecer apoio a ele dentro da sala.

“O tempo do meu filho na escola está acabando por causa dessa falta de inclusão”, diz. Ela e outras mães acionaram a Defensoria Pública de São Paulo para reivindicar que a Secretaria Municipal de Educação garanta o apoio necessário para as crianças da escola.

O caso é um entre os vários que se espalham por todo o estado de São Paulo, onde famílias buscam a Justiça para que seus filhos tenham ajuda especializada em sala de aula.

A legislação brasileira garante que todo autista com necessidade comprovada tem direito a um “acompanhante especializado” para auxiliá-lo na escola. A falta de regras específicas sobre o papel desse profissional, no entanto, tem feito com que a lei seja frequentemente descumprida, colocando em xeque a inclusão de alunos com TEA no país e, em alguns casos, afastando esses estudantes da educação.

“Esses casos são judicializados justamente porque não há clareza sobre o tema”, afirma Renata Flores Tibyriçá, coordenadora auxiliar do Núcleo do Idoso e da Pessoa com Deficiência da Defensoria de São Paulo.

A Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista não detalha, por exemplo, qual deve ser a formação do acompanhante especializado, as responsabilidades dele, e se ele deve atender a um único aluno ou pode dividir sua atenção entre vários.

A defensora diz que as normas do Ministério da Saúde trazem maior detalhamento apenas sobre os profissionais popularmente conhecidos como cuidadores, que levam alunos sem autonomia ao banheiro e dão alimentação a eles, e diz que é preciso mais.

“Tem alunos que precisam de um profissional de apoio dentro da sala de aula para se organizar, entender o que ele tem que fazer”, diz Renata. Ela cita como exemplo o fato de que alguns autistas precisam que uma pessoa os ajude, por exemplo, a separar os materiais e abrir o livro na página indicada.

Na capital paulista, a rede municipal de ensino conta com os chamados Auxiliares de Vida Escolar (AVEs) para apoiar alunos com deficiência com higiene e alimentação, além de ajudarem com a comunicação e interação social com outros estudantes. Ainda assim, os AVEs atuam, em geral, apenas do lado de fora das salas.

Estagiários em sala de aula

No dia-a-dia das aulas, a função de apoio a esses alunos tem sido feita na prática por outros funcionários, os estagiários do programa Aprender Sem Limite, segundo relatos ouvidos pelo Metrópoles.

Estudantes de cursos como Pedagogia e Licenciatura em Letras, os estagiários são contratados, em teoria, para apoiar professores, mas acabam auxiliando os alunos com deficiência, em meio à falta de profissionais dedicados a essa função na rede municipal. Foi o que aconteceu com Davi assim que ele entrou na Emef.

“Tinha essa estagiária, que era auxiliar de sala, mas ficava 100% responsável pelo Davi. Porque ela viu que ele demandava essa assistência”, conta Helena.

Este ano, no entanto, a escola está sem nenhum estagiário contratado para o período da manhã, apesar dos 14 alunos com deficiência matriculados em diferentes salas. A Defensoria oficiou a secretaria solicitando mais informações sobre o caso.

Ao Metrópoles, a pasta da Educação afirma que o quadro de profissionais da escola “está completo” e que a unidade possui quatro AVEs. Em nota, a secretaria disse, ainda, que “os estagiários são designados para auxiliar os professores em sala de aula”, e não respondeu sobre quando serão contratados novos estagiários.

Debate estadual e federal

A discussão sobre a atuação dos acompanhantes especializados em sala de aula ganhou força nos últimos tempos no país. Na rede estadual de São Paulo, o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou mudanças nas regras sobre o trabalho deste profissional.

A ideia é que cada acompanhante especializado, chamado de PAE-AE na rede, possa prestar auxílio a até cinco alunos, dependendo do nível de suporte dos estudantes. Nos casos em que for preciso apoio individualizado, ele será mantido, segundo a Secretaria Estadual da Educação.

Atualmente, a maior parte dos PAE-AEs é formada por professores auxiliares contratados após ações judiciais das famílias. Desde o ano passado, no entanto, a secretaria tem investido na contratação de profissionais terceirizados e com ensino médio completo para ampliar o quadro de acompanhantes especializados em sala de aula.

Em 2024, o Ministério da Educação também passou a olhar o tema com mais atenção e abriu um grupo de trabalho para pensar diretrizes sobre o papel dos acompanhantes especializados.

Em entrevista ao Metrópoles por e-mail, a secretária de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) do ministério, Zara Figueiredo, afirmou que o MEC deve apresentar novidades sobre o tema em breve, com a consolidação de um documento sobre o assunto. Ainda não há prazo para a publicação do documento.

Enquanto isso, ela afirma que o ministério tem disponibilizado vagas para auxiliar na formação de profissionais especializados, mas que a procura tem ficado aquém do esperado.

“Embora o MEC tenha disponibilizado mais de 250 mil vagas para formação de profissionais de apoio escolar, até o momento, apenas 70 mil delas foram preenchidas pelas redes de ensino”, disse Zara, que defendeu que estados e municípios estimulem os profissionais a fazerem os cursos.

A secretária afirmou que, neste ano, serão oferecidas novas formações para capacitar estes profissionais em articulação com os Institutos Federais.

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