A faixa do Galo (por Gustavo Krause)

“Se queres a paz, prepara-te para a guerra”, antiga máxima romana de autoria controversa cujo significado central é manter um equilíbrio de forças bélicas como forma de dissuadir conflitos entre potências nucleares.

Pois bem, aqui no Recife, um pequeno território espremido entre oceano e rio, entrecortado pelas pontes, povoado por avenidas, becos e vielas, reescreveu radicalmente, o postulado, faz 47 anos: “Se queres a paz, prepara-te para paz”.

Em 1978, os clarins anunciaram a madrugada e o chamamento solene para a fanfarra do entrudo no sábado de Zé Pereira. O folião que “espera um ano e se mete na brincadeira” (Salve Luiz Bandeira!) é o grande personagem; a estética musical harmoniza o rufar dos tambores, a cadência binária do surdo, os acordes dos metais; a marcação das tubas, clarinetas e saxofones respondem ao diálogo dos metais (Viva Leonardo Silva!).

Assim, surge um ritmo mágico – o Frevo – que nasceu da diversidade social e da mistura de gêneros musicais; gerou variações; assimilou instrumentos estilizados e jamais perdeu a força original que “entra na cabeça depois toma o corpo e acaba no pé” (Palmas para Luiz Bandeira!).

Em 12 de dezembro de 2012, a UNESCO declarou o Frevo, expressão artística pernambucana, Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade; os clarins da madrugada tiveram o efeito dos gritos do galo de João Cabral tecendo um toldo que se eleva por si: “luz balão”.

Foi grito de Enéas Freire que deu vida ao Galo. “O toldo” é a multidão que serpenteia as ruas ocupadas pelo grande personagem, o folião, que se entrega com intensidade à Faixa do Galo, espaço da brincadeira, bebedeira, alegria, irreverência, confraternização, afetos, porém, com o leve sentimento nostálgico: pra tudo se acabar na quarta-feira.

O bloco comprova que cenas desumanas de conflitos não ocorrem quando as pessoas que querem paz, se preparam para paz. Nas minhas incontáveis presenças no Galo Da Madrugada, acompanhando o desfile atrás dos trios elétricos, jamais presenciei cenas de hostilidade e de conflitos que pudessem comprometer o ambiente descontraído, alegre e liberto. Até os pierrôs não vertem lágrimas diante da colombina namoradeira. Logo encontram outra colombina disposta à aventura do amor de carnaval: uma “Serpentina Partida” (Abraço,  Maximiano Campos e Arthur Lima Cavalcanti!) .

Na Faixa do Galo, a paz é possível porque os foliões se preparam para ela. Quem não vive o carnaval, não imagina o sabor de um abraço encharcado com “chuva, suor e cerveja”, muito menos “embolar ladeira abaixo” (Axé, Caetano Veloso!).

Quando se prepara uma paz desejada, a primeira coisa a fazer é “brincar” o carnaval, viver o “ser brincante”, pedaço da infância que não se pode perder, empunhando a “Bandeira branca, amor […] Eu peço paz” (homenagem a Laercio e Max Nunes!) e  cantando a pleno pulmões “O Abre Alas”, a pioneira marcha-rancho, composta por uma mulher admirável, intelectualmente brilhante, abolicionista, alvo de preconceitos e obstáculos de toda ordem. Fez história: Chiquinha Gonzaga.

 

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda 

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