Por que ser uma mulher preta, advogada e empreendedora exige mais?

O mês de março marca um momento importante de reflexão sobre as conquistas e desafios das mulheres na sociedade. Mas, para uma mulher preta, advogada e empreendedora, essa reflexão vai além. Não se trata apenas de celebrar avanços, mas de reconhecer e enfrentar os obstáculos estruturais que ainda limitam a plena equidade de oportunidades.

A trajetória de uma mulher negra na advocacia e no empreendedorismo jurídico não é apenas sobre competência ou esforço individual. É sobre resistência. É sobre desafiar um sistema que, historicamente, não foi feito para nos incluir.

Traduzi essa experiência em três palavras fundamentais: desafio, coragem e estratégia. São esses pilares que sustentam a caminhada de quem precisa, todos os dias, reafirmar seu espaço e construir sua própria história.

O primeiro grande obstáculo para mulheres negras que escolhem a advocacia e o empreendedorismo jurídico é a validação constante. Enquanto para muitos a formação acadêmica e a experiência profissional são suficientes para consolidar credibilidade, para uma mulher preta esses fatores parecem nunca bastar.

O questionamento sobre a competência é frequente. O olhar de desconfiança, a necessidade de sempre apresentar mais provas de conhecimento e a resistência em reconhecer seu valor são realidades comuns.

Esse cenário se reflete em números. Mulheres negras enfrentam mais dificuldades para acessar cargos de liderança e são minoria entre sócias de grandes bancas jurídicas. O mesmo ocorre no empreendedorismo, onde a captação de clientes e a consolidação de um escritório próprio esbarram em barreiras invisíveis, mas estruturais.

O desafio, portanto, não é apenas conquistar um espaço, mas manter-se nele sem se deixar abalar por um ambiente que insiste em colocar obstáculos extras ao seu crescimento.

Coragem

Diante desses desafios, a coragem não é uma escolha – é uma necessidade. Mas não se trata apenas de ter coragem para trabalhar duro, buscar qualificação e enfrentar as dificuldades do dia a dia. Trata-se de uma coragem que desafia a lógica do “não”.

É a coragem de não aceitar que as portas permaneçam fechadas. De insistir, persistir e, muitas vezes, ser rotulada como “teimosa” simplesmente por exigir o que é legítimo.

Essa força é o que diferencia aquelas que conseguem romper barreiras e construir uma trajetória de sucesso, mesmo quando o caminho parece mais árduo do que para outros profissionais.

Coragem e desafio, por si só, não bastam. Para uma mulher preta, advogada e empreendedora, a estratégia é um elemento essencial de sobrevivência e crescimento.

Isso significa entender o funcionamento das estruturas, criar redes de apoio, saber onde e como se posicionar. Significa, muitas vezes, antecipar obstáculos e encontrar caminhos alternativos para seguir adiante sem se deixar paralisar pelas dificuldades.

Mulheres negras precisam desenvolver estratégias para lidar com preconceitos sutis e explícitos, para acessar oportunidades que, muitas vezes, não são divulgadas para elas e para construir uma marca profissional forte, que supere os vieses inconscientes que permeiam o mercado.

A presença de mulheres negras na advocacia e no empreendedorismo jurídico não deve ser vista apenas como um ato de resistência. Deve ser, acima de tudo, um movimento de transformação. Afinal, a pluralidade não é apenas uma pauta estrutural – ela é fundamental para a evolução da própria justiça.

Enquanto persistirem barreiras que impedem a plena inserção de mulheres pretas no mercado jurídico e no mundo dos negócios, estaremos falhando como sociedade. E essa mudança não pode ser responsabilidade apenas de quem enfrenta as dificuldades. O compromisso precisa ser coletivo.

Ser uma mulher preta, advogada e empreendedora é muito mais do que um ato de coragem. É um exercício diário de superação, estratégia e resiliência. Mas, acima de tudo, é a prova viva de que nenhum desafio é grande o suficiente para impedir a conquista de quem está disposta a transformar a realidade ao seu redor.

  • Silvia Souza é presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB
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