Brasil se desculpa por negligência com ossadas da vala de Perus

São Paulo — O Estado brasileiro pediu desculpas, nesta segunda-feira (24/3), à sociedade e aos familiares dos desaparecidos políticos, durante a Ditadura Civil-Militar, pela negligência nos trabalhos de guarda e identificação das ossadas encontradas na vala clandestina de Perus, entre 1990 e 2014.

A cerimônia que marcou o pedido de desculpas aconteceu, no Cemitério Dom Bosco, em Perus, na zona norte da capital paulista, onde a vala foi descoberta.

Participaram do evento autoridades como a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo; a secretária municipal de Direitos Humanos de São Paulo, Regina Célia Santana; membros do Ministério Público Federal e da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos; familiares das vítimas, entre eles a filha de Rubens Paiva, Vera Paiva; parlamentares e moradores do bairro.

Aberta em 1990, a Vala de Perus, é o lugar onde foram enterrados ilegalmente alguns dos opositores da Ditadura e vítimas da repressão policial, além de pessoas consideradas indigentes e desconhecidos.

No local foram encontradas 1.049 ossadas, levadas na sequência à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para identificação dos corpos.

Anos depois, em meio às denúncias de que os ossos estavam armazenados em condições precárias, as ossadas foram transferidas para diferentes endereços até serem, por fim, encaminhadas ao Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), responsável pelos trabalhos de identificação atualmente.

O pedido de desculpas, feito nesta segunda, é resultado de um acordo feito na Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal contra a União, desde 2009, pela negligência com os trabalhos envolvendo as ossadas.

No evento, a ministra Macaé Evaristo leu um texto, em nome do Estado brasileiro, desculpando-se pela situação e entregou uma placa a um representante dos familiares, Gilberto Molina.

Veja imagens dos familiares das vítimas:

4 imagens

Familiares de vítimas da Ditadura Militar cujas ossadas foram achadas em vala de Perus, na zona norte de SP

Cemitério de Perus, zona norte de SP
Cemitério de Perus, zona norte de SP
1 de 4

Familiares de vítimas da Ditadura Militar cujas ossadas foram achadas em vala de Perus

Jéssica Bernardo/Metrópoles

2 de 4

Familiares de vítimas da Ditadura Militar cujas ossadas foram achadas em vala de Perus, na zona norte de SP

Jéssica Bernardo/Metrópoles

3 de 4

Cemitério de Perus, zona norte de SP

Jéssica Bernardo/ Metrópoles

4 de 4

Cemitério de Perus, zona norte de SP

Jéssica Bernardo/ Metrópoles

Irmão de Flavio Molina, morto em 1981 pelo regime militar, Gilberto fez um discurso falando sobre a saga para conseguir sepultar o familiar o que só aconteceu quatro décadas depois de sua morte.

“Se eu passei por esse ‘velório’ por mais de 40 anos, os familiares de hoje que ainda procuram têm um velório maior ainda”, afirmou Gilberto.

Uma das familiares de vítimas da Ditadura a acompanhar o evento, Crimeia Schmidt espera desde 1973 para que o corpo do marido, do sogro e do cunhado sejam encontrados.

“Nesse meio tempo eu fui presa [pela Ditadura], meu filho nasceu na prisão e nunca conheceu o pai. Eu acho interessante todos esses discursos, mas é muito difícil aceitar desculpas por um crime que continua. Eles continuam desaparecidos”, disse ela, que preside uma comissão de familiares de desaparecidos e mortos políticos durante a Ditadura.

Ela defende que o governo continue as investigações para esclarecer as mortes, com julgamento dos responsáveis e abertura de arquivos militares da época.

Coro “sem anistia”

Durante o evento, a ministra Macaé afirmou que é preciso explicar o que foi a Ditadura para as gerações mais novas para que os jovens entendam a diferença entre os pedidos de anistia do passado e os de agora – em referência à defesa de bolsonaristas pela anistia aos atos golpistas de 8 de janeiro.

“A gente não pode compactuar com o autoritarismo e com a intolerância. E, às vezes, a gente precisa explicar pras novas geracoes que estão aqui hoje, porque a gente lutou tanto pela anistia e hoje a gente grita ‘sem anistia’”, disse a ministra, puxando um coro de “sem anistia” na sequência.

“A gente grita sem anistia porque essas pessoas que estão gritando por anistia queriam reinstaurar no Brasil essa ditadura que nós estamos denunciando hoje. Então não dá pra usar as nossas palavras de ordem para impor ao Brasil um estado autoritário”, afirmou.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.