ANM faz cerco contra sonegação e cobra R$ 3,8 bilhões da Vale

A Agência Nacional de Mineração (ANM) cobra que a mineradora Vale S.A. pague cerca de R$ 3,84 bilhões devidos em royalties minerais, em processos de cobrança que se arrastam há seis anos.

Os valores são referentes à falta de recolhimento ou do pagamento menor da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) – nome técnico para royalties da mineração.

Ao todo, são 24 processos de cobranças, cuja auditoria da autarquia foi concluída em 2019. Levantamento realizado pela coluna identificou que a ANM, no fim do mês passado, negou parcial ou integralmente recursos de defesa da mineradora.

Dentre os processos, destaca-se um débito de R$ 1 bilhão, além de cobranças de R$ 834 milhões, R$ 331 milhões e R$ 262 milhões.

Procurada, a Vale disse que ainda “não foi notificada pessoalmente das decisões, que se referem a autuações do período de 2010 a 2017” e que irá recorrer. Para a mineradora, “há pontos controversos na legislação da CFEM que estão sendo discutidos por todo o setor mineral e aguardam manifestação definitiva pelo Poder Judiciário”.

A mineradora explicou ainda que efetua regularmente o recolhimento dos royalties obedecendo às normas legais e nos últimos “10 anos, recolheu R$ 30 bilhões em CFEM, distribuídos aos municípios pela Agência Nacional de Mineração (ANM)”.

O valor devido pela Vale S.A de 3,84 bilhões, sozinho, é maior do que todo o montante de R$ 3 bilhões que o setor minerário pagou em CFEM no país em 2018. A título de comparação, entre 2014 e 2017, as cifras de CFEM recolhidas pelo Brasil anualmente foram inferiores a R$ 2 bilhões.

Já no ano passado, foram recolhidos R$ 7,7 bilhões, ante o valor de R$ 6,5 bilhões de CFEM em 2023.

A partir do momento em que a Vale for notificada, a mineradora terá 10 dias para pagar, parcelar ou até mesmo apresentar recurso, sob pena de inscrição em dívida ativa, Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal (Cadin) e ajuizamento de execução da cobrança da dívida.

Caso a mineradora apresente recurso, o processo será analisado pela segunda e última instância da ANM, ou seja, a diretoria colegiada da autarquia.

Cidades mineradoras temem prescrição

Para a Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG) a decisão da ANM, ainda que sem efetivo de pessoal, visa combater a cultura de sonegação no país, mas precisa ser acompanhada de perto.

“A AMIG irá acompanhar, junto a ANM, a decisão colegiada da ANM e cobrar dela para não ocorrer a prescrição. Para que isso não se transforme em mais uma dívida das mineradoras com os municípios brasileiros, que tem a atividade de mineração em seus territórios. É um passo importante, mas não é um passo completo”, frisou o consultor de relações institucionais da AMIG, Waldir Salvador.

A preocupação, segundo explica, é que o processo administrativo de cobrança não vire processo judicial e que se arraste por anos nos tribunais. “Esse é o problema, aí está a má-fé das empresas mineradoras no Brasil, porque é o mesmo de você ser notificado pelo Imposto de Renda e dizer: ‘Não aceito as regras da Receita’. É isso que as mineradoras fazem com a ANM. É um nível alto de arrogância”, criticou Salvador.

TCU alerta sobre “problemas graves” quanto à sonegação de CFEM no Brasil

A morosidade de pagamento de royalties devidos por companhias de mineração e o desmantelamento da autarquia tem sido denunciados pela AMIG.

A entidade lembra que atualmente são quatro funcionários da ANM para fiscalizar milhares de processos de CFEM no país. “A falta de estrutura e de pessoal acabam favorecendo a cultura de sonegação no país”, critica Waldir Salvador.

Este cenário foi apontado, ano passado, pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em relatório alarmante sobre o setor mineral. Ao tratar sobre às perdas de créditos minerários por decadência e prescrição, a corte de contas apontou que, mesmo que a “ANM consiga fiscalizar e dectar potencial sonegação, a agência não é capaz de concluir os processos de autuação e cobrança dentro dos prazos legais”.

Nesse sentido, o TCU identificou a perda de recursos da ordem de R$ 4 bilhões entre 2017 e 2021. “Além disso, havia cerca de R$ 20 bilhões em créditos lançados e pendentes de formalização, ou seja, em risco de serem prescritos”.

A área técnica da corte de contas chamou de “problemas graves” quanto ao “elevado e persistente índice de sonegação da CFEM” no país, bem como fiscalização insuficiente para coibir tal prática, e “grandes perdas de créditos de receitas de mineração (CFEM e TAH) em razão de decadência e prescrição”.

No relatório, o TCU aponta que, em 2022, só houve 17 fiscalizações para um total de 39 mil processos relacionados à concessão de lavra, lavra garimpeira, licenciamento ou registro de extração.

Sem dados de prescrição de CFEM nos últimos anos

A Agência Nacional de Mineração não sabe quanto o Brasil perdeu de arrecadação com a prescrição de CFEM nos últimos cinco anos. A coluna pediu os dados devidos pelas mineradoras via Lei de Acesso à Informação (LAI), a contar de 2020.

Em resposta, a ANM informou que “que não é possível fornecer a informação exata”, tendo em vista que a maioria dos processos de cobrança de CFEM “ainda não foi digitalizada e permanece em meio físico, armazenada nas Unidades da Federação (UF)”.

“Além do procedimento de digitalização, ainda precisaríamos consultar todos os processos (aproximadamente 16 mil processos de cobrança), visto que o controle dos prazos prescricionais de CFEM ainda não é realizado via sistema, o que está em desenvolvimento e futuramente será uma realidade”, observou a autarquia.

Essa etapa de digitalização dos documentos na ANM, informou a autarquia, “está em andamento, mas ocorre de forma gradual”, e que dar publicidade a esses dados é uma “ação da Agência com desenvolvimento projetado para longo prazo, pois demanda tempo, recursos humanos e recursos financeiros (orçamento) significativos para a sua concretização”.

Relatório do TCU de 2024 aponta situação grave na ANM e no setor minerário do Brasil
Relatório do TCU de 2024 aponta situação grave na ANM e no setor minerário do Brasil

Campanha contra sonegação

A AMIG fará uma assembleia-geral da entidade na Câmara dos Deputados, nesta terça-feira, às 8h30. O evento reunirá congressistas, prefeitos e gestores de municípios mineradores e impactados pela mineração.

Na ocasião, a AMIG promete lançar campanha nacional dos municípios “para expor e combater a cultura da sonegação praticada por mineradoras em todo o país”. Com o mote “O mineral é seu. O prejuízo também!”, a campanha cobra das mineradoras a dívida de mais de R$ 20 bilhões em royalties, conforme relatório do TCU.

“ANM que é órgão está completamente sucateado, não tem força, não tem equipe técnica. Para se ter uma ideia, são quatro técnicos para fiscalizar todos os processos [de CFEM no Brasil], impossível. Então, o ambiente fica muito fácil para sonegação”, pontua o presidente da AMIG, Marco Antônio Lage.

“Queremos chamar atenção para um drama. O Brasil do século 21, um país minerário, que a mineração representa 10% da exportação brasileira, 4% do PIB, um setor extremamente estratégico da nossa economia, não tem fiscalização”, observa Lage.

O que é CFEM

A CFEM é uma contrapartida das mineradoras repartida entre a União, o estado, o município minerador e a própria ANM, que ficam respectivamente com a seguinte fatia dos royalties minerários: 10%; 15%; 60% e 7%.

Gráfico CFEM da ANM
Arrecadação de royalties da mineração apontado em relatório do TCU

O que fiz a mineradora Vale

“A Vale efetua, regularmente, o recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) e observa tanto as normas aplicáveis quanto os limites constitucionais existentes. Nos últimos 10 anos, recolheu R$30 bilhões em CFEM, distribuídos aos municípios pela Agência Nacional de Mineração (ANM).

A Vale esclarece que ainda não foi notificada pessoalmente das decisões, que se referem a autuações do período de 2010 a 2017. A empresa irá recorrer e as cobranças ficarão suspensas até decisão definitiva da ANM. Há pontos controversos na legislação da CFEM que estão sendo discutidos por todo o setor mineral e aguardam manifestação definitiva pelo Poder Judiciário.

A Companhia continua empenhada em gerar valor compartilhado e sustentável para todas as localidades onde atua, bem como contribuir para o crescimento das economias locais, nacionais e global, por meio de suas operações, investimentos, tributos e royalties. O recolhimento de suas obrigações é parte fundamental da relação com a sociedade e divulgada de forma transparente em seu TTR – Relatório de Transparência Fiscal”.

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