E o que é, afinal, ser uma pessoa de sucesso? (Por Ionara Silva)

Na última semana, defendi minha tese de doutorado. Para uma mulher negra, brasileira e imigrante, conciliar o processo migratório com os desafios de uma pesquisa acadêmica foi, sem dúvida, uma das experiências mais complexas que já tive. Para a pequena parcela de pessoas que alcança esse nível de formação, o título não é apenas uma conquista individual. Representa uma conquista de toda uma família, uma comunidade e até mesmo de uma nação.

Não escrevo aqui para exaltar títulos, diplomas ou méritos. Quero falar sobre educação e resiliência. Venho de uma família nordestina, cujos antepassados tiveram pouco ou nenhum acesso à educação formal. Nasci em Teresina, no Piauí, mas, ainda criança, migrei para o Distrito Federal. Desde cedo, entendi que a educação seria a única forma de mudar a narrativa da história da minha família.

Sou cria da escola pública e da periferia. Fruto de projetos sociais, de políticas públicas e, como tantos brasileiros e brasileiras da minha geração, sou parte de um Brasil que tenta dar certo. Abracei cada oportunidade, mesmo sem referências. Na adolescência, o acesso à internet ainda era escasso, e fui construindo sozinha meu imaginário sobre o que significava “ter sucesso”

Em 2017, decidi emigrar. Meu maior desejo era me desafiar. Queria experimentar novas possibilidades e formas de estar no mundo. Não sou do tipo que reduz o Brasil a elogios ou críticas simplistas, o país é grande demais, múltiplo demais para caber em definições estreitas. São tantos Brasis que talvez eu nem precisasse ter cruzado um oceano.

Mas eu cruzei. Desembarquei em Lisboa com uma bolsa de estudo para uma especialização. O primeiro contato foi com a universidade, e logo me apaixonei pela pesquisa. Não planejava mudar de carreira, já tinha uma profissão, experiência, trajetória. Mas, mais uma vez, migrei. Me joguei em um doutorado no início da pandemia da COVID-19 sem saber se conseguiria chegar até o fim. Quatro anos depois, cheguei. Enfim, doutora.

Vivemos tempos em que somos expostos a vídeos virais nas redes sociais, com discursos meritocráticos rasos. Muita gente vendendo a ideia de que sucesso é ter seguidores, bens materiais e ostentar uma performatividade praticamente impossível de sustentar. O pensamento crítico, a empatia e a educação são desprezados, subjugados. Não há saúde mental que aguente, e já nem sabemos mais o que é uma imagem autêntica ou gerada por inteligência artificial. E, de todos os conteúdos, o que mais me incomoda como pessoa e pesquisadora é o que fala sobre “fórmulas de sucesso”.

E então eu pergunto: o que é, de fato, ter sucesso?

Mais do que aprender métodos ou teorias, o doutorado me ensinou que qualquer objetivo exige resiliência. É acordar todos os dias e fazer o que precisa ser feito. É entender que obstáculos fazem parte do caminho. Não se trata de sorte ou genialidade, mas de constância e persistência. E também de apoio: ninguém caminha sozinho. É sobre ter ao lado pessoas que acreditam em você, que te impulsionam e ajudam a seguir em frente.

Talvez, o mais importante seja reconhecer a hora de desistir. Desistir ainda é visto como fracasso, mas eu discordo. Desistir pode ser o primeiro passo para recomeçar. E eu recomecei muitas vezes. Sucesso não é status, dinheiro ou prestígio. Sucesso é saber para onde se quer ir e por quê.

Hoje, com a tese defendida, vejo que o doutorado foi muito mais que uma jornada acadêmica. Foi um mergulho em mim mesma. Não se tratou apenas de escrever uma dissertação, mas de migrar para novos mundos e, talvez, de nunca mais pertencer inteiramente a um só lugar, uma ideia, uma certeza.

Essa experiência também serve como metáfora para outras jornadas: um emprego, uma carreira, um relacionamento, qualquer sonho ou objetivo. Você não precisa fazer um doutorado para refletir sobre o que é ter sucesso. Comece pelo simples. Se pretende emigrar, o que te motiva? Se já emigrou, o que te faz permanecer?

Minha pesquisa sobre a morte digital e o luto online trouxe reflexões profundas sobre memória, identidade e futuro. Ao ouvir pessoas em processo de luto, compreendi que as tecnologias digitais não apenas moldam a forma como vivemos, mas também transformam a maneira como lidamos com o sucesso, a liberdade e a finitude. Minha tese poderia ser resumida em versos de Gil e Caetano, na canção “Não tenho medo da morte”:

“(…) Não tenho medo da morte

Mas medo de morrer, sim

A morte é depois de mim

Mas quem vai morrer sou eu

Derradeiro ato meu

E eu terei de estar presente

Assim como um presidente

Dando posse ao sucessor

Terei que morrer vivendo

Sabendo que já me vou (…)”

Talvez eu publique um livro, escreva artigos, continue na academia. Ou, quem sabe, mude de rota e vá aprender cerâmica, um desejo antigo, ou inicie um novo negócio. Para mim, sucesso é sinônimo de liberdade. E liberdade é um privilégio de poucos. Aproveite cada minuto a sua.

 

(Transcrito do PÚBLICO Brasil)

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