São Paulo — A exposição de Vitória Chaves da Silva, paciente que tratava uma insuficiência renal no Instituto do Coração (Incor) dos Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP., em São Paulo, por parte de duas estudantes de medicina revoltou a irmã e a mãe da jovem, Cláudia Aparecida da Rocha Chaves.
Elas decidiram registrar um boletim de ocorrência e acionaram o Ministério Público de São Paulo (MPSP), além do próprio Incor.
Em vídeo, tirado do ar nesta terça-feira (8/4) do TikTok (assista abaixo) duas alunas, Gabrielli Farias de Souza (no vídeo, de cabelos loiros) e Thaís Caldeiras Soares Foffano (no vídeo, à dir., de cabelos escuros) mencionam, sem citar o nome da paciente, os três transplantes cardíacos, além de indicar quando foram feitos — na infância, adolescência e início da maioridade, o que coincide com o caso de Vitória. A publicação foi feita nove dias antes de Vitória morrer.
O Metrópoles havia publicado, em 2023, o ineditismo de Vitória ter sido submetida a três transplantes de coração. Até então, os procedimentos do tipo no Brasil eram limitados a dois.
Vídeo:
“Um transplante cardíaco já é burocrático, já é raro, tem a questão da fila de espera, da compatibilidade, mil questões envolvidas. Agora, uma pessoa passar por um transplante três vezes, isso é real e aconteceu aqui no Incor e essa paciente está internada aqui”, afirmou Thaís.
A postagem, feita em 17 de fevereiro, foi visualizada por pouco mais de 212 mil pessoas, o suficiente para um amigo reconhecer o caso de Vitória e enviar uma mensagem de texto à família da amiga, no último dia 3, como relatou Giovana Chaves dos Santos, de 19 anos, irmã da paciente.
Em nota encaminhada à reportagem, na tarde desta terça, o Incor afirmou não divulgar dados de pacientes. A instituição afirmou repudiar “veementemente” atitudes que violem os princípios da ética e confidencialidade. O instituto acrescentou que apura “rigorosamente o caso mencionado”, ressaltando que “adotará todas as medidas cabíveis”.
Uso dos medicamentos
Durante a conversa em vídeo, as duas estudantes atribuem a sequência de procedimentos à suposição de que Vitória não teria se cuidado e tomado corretamente os medicamentos após os procedimentos, informação refutada pelas familiares da paciente.
Na postagem, Thaís ainda comenta que ela e a colega iriam se encontrar com Vitória em seguida. “A gente vai subir lá em cima [sic] e tentar conversar com essa paciente transplantada por três vezes.”
Antes do encontro, Gabrielli dá detalhes dos procedimentos aos quais Vitória foi submetida. “A segunda vez ela transplantou e não tomou os remédios que deveria tomar, o corpo rejeitou [o órgão] e teve que transplantar de novo, por um erro dela [Vitória]. Agora ela transplantou de novo, [o corpo] aceitou, mas o rim não lidou bem com as medicações.”
Na sequência, Thaís Caldeiras comenta:
“Essa menina tá achando que tem sete vidas”.
As duas estudantes se olham e Thaís continua: “Estou em choque. Simplesmente uma pessoa que já passou três vezes por transplante, recebeu três corações diferentes, pra quem não é da medicina, resumindo, é isso […] e tá com problema ainda. Espero que fique tudo bem com ela, que agora ela realmente tome as medicações e faça o tratamento correto”.
Morte e revolta
Vitória morreu nove dias depois, devido a um choque séptico e insuficiência renal crônica. A morte ocorreu um ano após o terceiro transplante de coração e dois anos depois de um transplante de rim, órgão que ficou comprometido durante o tratamento cardíaco da jovem.
Cláudia afirmou ao Metrópoles, nesta terça-feira, que as falas das estudantes são mentirosas. “O que elas dizem é inverídico e temos provas de tudo, que ela [Vitória] seguia o tratamento à risca”, diz a mãe.
“A gente sempre acompanhou a Vitória. A gente sabia o quanto ela lutava para viver, né? Tanto é que tem um monte de ofício na Promotoria da gente pedindo ajuda com medicação, com passagem para vir no tratamento. Ela nunca faltou numa consulta sequer, né? E minha filha tinha sede de vida. Tudo o que ela queria era viver. Aí vem uma pessoa e diminui a história dela, eu não aceito, quero Justiça”, desabafou Cláudia.
Ela ainda afirmou que a postagem das estudantes resultou em milhares de comentários, grande parte contra Vitória.
A família da paciente quer que as alunas se retratem publicamente, da mesma forma que expuseram e debocharam da paciente. Nem as estudantes nem as defesas foram localizadas pelo Metrópoles. O espaço segue aberto para manifestações.
Vitória sonhava em ser médica
Quando aguardava pelo terceiro transplante cardíaco, Vitória afirmou que sonhava em ser médica para ajudar as pessoas, da mesma forma que era amparada. Ela chegou a prestar Enem para o curso em 2019, mas não conseguiu a pontuação necessária.
Na ocasião, mesmo sob o efeito de medicações, em um gesto de esforço e gentileza, Vitória ainda enviou um áudio ao Metrópoles no qual afirmou que esperava poder voltar ao convívio familiar e a fazer coisas simples, como tomar banho sozinha e comer refeições caseiras.
“Quero muito ir embora para poder usufruir da minha família. Tenho esperança. Vou ficar bem e ter uma boa recuperação. Peço orações”, disse, na ocasião.