São Paulo — Um homem alto, simpático e sem nenhum sotaque britânico. É assim que um vizinho descreve o juiz Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, ou melhor dizendo, José Eduardo Franco dos Reis, segundo a denúncia do Ministério Público de São Paulo (MPSP).
No Condomínio Edifício Ilha de Capri, onde morou o juiz acusado pelo MPSP de usar uma identidade falsa, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, o magistrado era visto como uma pessoa discreta e conhecido pelo nome de Edward.
Um vizinho que conviveu com ele por oito anos contou ao Metrópoles que frequentemente cruzava com o juiz nas áreas comuns do prédio. “Ele era legal, mas era sozinho. Sempre sozinho”, relatou o morador, que pediu para ter a identidade preservada.
Segundo o vizinho, Edward era frequentemente visto com roupas de ginástica e segurando uma mala de couro marrom. Antes de se mudar, em dezembro de 2024, ele costumava andar a pé pelas ruas do bairro. Em todas as ocasiões, estava sempre desacompanhado.
No prédio em que morava, onde os apartamentos têm 116m² e duas vagas para carros, Edward ocupava apenas uma vaga de estacionamento para seu veículo. O carro, segundo um morador, era um Chevrolet Cruze branco, modelo vendido por até R$ 100 mil no mercado, dependendo do ano de fabricação, e que deixou de ser produzido em 2023.
A vaga antes ocupada pelo Cruze está agora vazia. Em depoimento à Polícia, o síndico do prédio afirmou que Edward saiu do imóvel no dia 5 de dezembro – coincidentemente três dias depois de José Eduardo – apontado pelo MPSP como seu verdadeiro nome – comparecer à delegacia. O síndico acredita que ele tenha ido para Minas Gerais, onde teria um imóvel.
Desde então, o cadastro dele consta como ex-morador. Nesta terça-feira (8/4), o Metrópoles foi ao prédio e interfonou pedindo para falar com Edward. O porteiro disse que “o senhor Eduardo” não morava mais ali. A reportagem perguntou, então, se haveria alguma forma de contatá-lo.
O funcionário pediu um minuto e disse que ligaria para o ex-morador. Logo depois, respondeu: “Eu consegui fazer contato com o Eduardo, mas ele disse que não tem interesse em falar com a senhora”. O espaço segue aberto para manifestação.
Entenda o caso
- No dia 3 de outubro de 2024, José Eduardo compareceu ao Poupatempo Sé para solicitar a segunda via do RG, afirmando ser Edward Albert. Na ocasião, ele apresentou uma certidão de nascimento com o nome de origem inglesa.
- Quando as digitais do suposto Edward entraram nos sistemas do Poupatempo, no entanto, o computador apontou que elas pertenciam, na verdade, a um homem chamado José Eduardo Franco dos Reis.
- Por causa das inconsistências, a Polícia Civil abriu uma investigação contra o suspeito, que terminou comprovando uma duplicidade de registros. O acusado utilizava identidade falsa pelo menos desde 1980, segundo a investigação.
- Com a identidade falsa, José se matriculou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e, em 1995, passou em um concurso para juiz.
- A investigação cita que ele também manteve a identidade verdadeira em uso e chegou a pegar segunda via do RG verdadeiro em 1993. Naquela época, o sistema do IIRGD não estava “aparelhado para identificar a fraude”, segundo o MPSP.