Especialista critica uso indiscriminado de chá: “Até veneno é natural”

São Paulo — Apesar dos benefícios que os chás trazem para a vida das pessoas, o consumo indiscriminado é visto com uma série de ressalvas por parte de especialistas, que apontam riscos para quem usa sem a indicação adequada, tanto em relação à dosagem, quanto ao local onde é comprado o produto. Também ressaltam que é proibida a venda de drogas vegetais nas ruas, como visto em São Paulo, e apontam para a ocorrência de falsificações.

“Existe veneno natural. O chá não é de uso recorrente para qualquer tipo de pessoa, mesmo aqueles que a gente considera como benéficos”, afirma a nutricionista Gabriella Cilla.

Gabriella cita exemplos. “A gente fala em chá de espinheira santa, camomila, erva-cidreira. A erva-cidreira tem um caráter mais amargo, que aumenta a produção de ácido clorídrico. Para quem tem problemas estomacais, como gastrite, vai ser ruim”.

Sobre o chá de hibisco, diz que é bastante utilizado para tratar retenção de líquido e inchaço da perna. “Ficou muito famoso agora pelos diagnósticos de lipedema [acúmulo de gordura em pernas e braços, de forma geral]. É utilizado para essa questão da diurese e retenção hídrica. Tem bastante anti-inflamatório e antioxidante e diminui a produção de radicais livres”, diz. Porém, faz ressalvas. “Merece atenção até pela questão diurética, pela excreção de potássio, hipotensão. Para pessoas com pré-disposição à pressão baixa, não é recomendado”.

Uso indiscriminado

A especialista afirma que é necessária a indicação de alguém que acompanhe o paciente. “Que seja indicado um lugar de confiança para se comprar e que não se tenha esse uso abusivo”, diz.

Os efeitos dos chás também podem variar de pessoa para pessoa. “Tem pessoas que acabam sendo mais sensíveis e outras mais resistentes a ativos. Vale lembrar que o uso deve ser recomendado por algum profissional, para que a gente consiga avaliar. Mesmo ervas que sejam consideradas, entre aspas, normais, como camomila, cidreira, maracujá e canela”.

A nutricionista explica que nem sempre o que é vendido é a parte da planta que causa, de fato, o benefício procurado. “Vamos pensar na flor de camomila. Eventualmente, são vendidos nessas barraquinhas o caule, a folha e não necessariamente a flor, que é o causa o benefício do relaxamento. É diferente de comprar um encapsulado com a prescrição de um fitoterápico ou em lojas que tenham uma procedência mais confiável”, diz.

Gestantes e idosos

A nutricionista alerta sobre a atenção que gestantes e idosos devem ter ao consumir chás. “Algumas ervas têm interação medicamentosa. Não devem utilizar. Gestantes e idosos, com base de medicação, a gente acaba não suplementando com bases fitoterápicas” diz.

A nutricionista afirma que é preciso ter cautela e cuidado redobrados com esses grupos. “Os chás são muito recomendados, mas, por exemplo, com a mesma erva a gente pode fazer tintura ou homeopatia. Depende muito da dose que se usa”.

Falsificações e riscos

Levantamento realizado em Diadema, no ABC, apontou que, entre 16 drogas vegetais vendidas nas ruas da cidade, apenas 9 correspondiam exatamente ao que estava escrito na embalagem, segundo a coordenadora do Centro de Estudos Etnobotânicos e Etnofarmacológicos, e docente da Unifesp, Campus Diadema, Eliana Rodrigues.

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Ana Claudia Santana de Jesus, 36 anos, e Aureci Moreira Santana, 59 anos, vendedoras de ervas na região do Parque Dom Pedro, em São Paulo

Ana Claudia Santana de Jesus, 36 anos, e Aureci Moreira Santana, 59 anos, vendedoras de ervas na região do Parque Dom Pedro, em São Paulo
O terapeuta naturalista Francisco Oliveira, 73 anos, na zona cerealista, em São Paulo
O terapeuta naturalista Francisco Oliveira, 73 anos, na zona cerealista, em São Paulo
Banca de ervas na região do Largo da Batata, em São Paulo
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Saquinho de hibisco, em banquinha na região do Parque Dom Pedro

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Ana Claudia Santana de Jesus, 36 anos, e Aureci Moreira Santana, 59 anos, vendedoras de ervas na região do Parque Dom Pedro, em São Paulo

William Cardoso/Metrópoles

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Ana Claudia Santana de Jesus, 36 anos, e Aureci Moreira Santana, 59 anos, vendedoras de ervas na região do Parque Dom Pedro, em São Paulo

William Cardoso/Metrópoles

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O terapeuta naturalista Francisco Oliveira, 73 anos, na zona cerealista, em São Paulo

William Cardoso/Metrópoles

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O terapeuta naturalista Francisco Oliveira, 73 anos, na zona cerealista, em São Paulo

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Banca de ervas na região do Largo da Batata, em São Paulo

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A comerciante Leidiane Fernandes Souza, 42 anos

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O vendedor de garrafadas Raimundo Nonato Ribeiro, 65 anos

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“Apenas 9 das 16 plantas eram elas mesmas, o restante não. Não sabemos o que tem dentro dessas embalagens do ponto de vista das plantas, pensando ‘é a planta mesmo ou não é?’ Já temos um problema aí”, diz Eliana.

A professora da Unifesp traz outra questão. “Para além disso, o Instituto Adolfo Lutz identificou fungos e bactérias acima do permitido na farmacopeia. Isso também é muito grave, porque, para um organismo imunodeprimido, vai piorar a questão da saúde”, afirma.

Eliana aponta outro problema, esse de caráter legal. “Não é permitido comercializar drogas vegetais nas ruas, embora não tenha fiscalização”, diz.

A especialista afirma que os rótulos desses produtos precisam conter nome científico, nome popular, a parte da planta utilizada, o registro dessa droga vegetal pela Anvisa, o nome do fabricante com CNPJ e endereço, o nome do farmacêutico responsável, inscrito no Conselho Regional de Farmácia, o número do lote e o prazo de validade. “Tendo todas essas informações, o meu produto não é uma droga vegetal de baixa qualidade”, diz.

A professora diz também que uma outra forma de obter as drogas vegetais é por meio das farmácias vivas das UBSs (Unidades Básicas de Saúde). “É óbvio que a gente tem toda uma qualidade garantida ali”, afirma.

“Não é que não existe o benefício, mas você precisa saber a fonte, com todas as garantias de que está usando um remédio com qualidade. Além de ser útil, não vai ser tóxico”, diz.

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