Argentina: Milei enfrenta 3ª greve em momento de queda de popularidade

Desde a zero hora desta quinta-feira (10/4), começou a terceira greve geral contra o presidente daArgentina, Javier Milei, em apenas 16 meses de governo. A greve paralisa a maior parte da economia, como o transporte aéreo, mas não chega a ser total porque os ônibus não aderiram à paralisação.

Para ganhar volume político, a Confederação Geral do Trabalho (CGT) somou-se ao setor mais prejudicado pelo ajuste fiscal do presidente Javier Milei: os aposentados.

Por esse tipo de oportunismo, o governo considera a greve como política, enquanto os grevistas apontam contra as medidas econômicas de Milei que visam destruir o emprego público, via encolhimento do Estado, e o emprego privado, via abertura das importações.

A greve geral é a terceira contra Javier Milei, mas a primeira que encontra o presidente em queda de popularidade, entre 5 e 10 pontos, conforme a pesquisa de opinião.

Se até o começo do ano Milei ainda tinha mais imagem positiva do que negativa, essa tendência se inverteu nos últimos quatro meses. Nesse período, o governo passou da ofensiva à defensiva.

Os sindicalistas sentem essa vulnerabilidade política e atacam as medidas econômicas com reivindicações num ano eleitoral. Nas legislativas de outubro, o governo precisa ganhar para sair da sua condição de minoria absoluta no Congresso e poder avançar com reformas estruturantes, entre as quais a trabalhista. Os sindicalistas visam frear essa possibilidade, através do desgaste político.

Setor aéreo atinge brasileiros

A greve não é um sucesso absoluto porque os ônibus ainda circulam. Embora as frequências das linhas sejam menores do que em um dia útil, os ônibus continuam operando devido à conciliação obrigatória declarada pelo governo, através da Secretaria de Trabalho, garantindo o serviço mínimo.

Nos comércios e restaurantes, a adesão é parcial, e os supermercados permanecem abertos.

A greve tem forte adesão nas escolas de quase todo o país e nas universidades públicas, mas, na cidade de Buenos Aires, as escolas continuam funcionando.

Em outros setores, a greve é total. Um dos segmentos mais afetados é o transporte aéreo, com mais de 500 voos cancelados, impactando diretamente os brasileiros que tinham viagens programadas para esta quinta.

Trens, metrô, transporte de cargas e transporte marítimo estão completamente parados. Bancos, correios e limpeza urbana também não estão operando. A administração pública e os tribunais de Justiça estão fechados. Nos hospitais, apenas os serviços de emergência estão funcionando.

Leque de reivindicações

A principal reivindicação é que o governo permita negociações livres entre empregados e empregadores e que depois ratifique os acordos.

O governo Milei não tem homologado acordos acima de 1% de aumento mensal, enquanto a inflação supera os 2%. Ou seja: o governo não quer que haja nenhuma espécie de gatilho salarial que alimente a inflação, enquanto os sindicalistas não querem perdas salariais como forma de controlar o aumento de preços. Em outras palavras, não querem ser a variável do ajuste que Milei tem feito nas aposentadorias e no funcionalismo público.

Além disso, os grevistas têm uma lista de reivindicações paralelas: querem o aumento das aposentadorias e a entrega gratuita de medicamentos que antes eram dados e que o governo Milei interrompeu. Também querem aumentos nos orçamentos da Saúde e da Educação, setores que também passam pelos cortes do governo.

Os manifestantes repudiam ainda as privatizações de Milei e as demissões tanto no setor público, via ajuste do Estado, quanto no setor privado, via aumento das importações. Por último, os sindicalistas também são contra o acordo financeiro com o Fundo Monetário Internacional que deve ser anunciado formalmente nesta sexta-feira (11/4).

Hector Daer, um dos líderes da Confederação Geral do Trabalho, aponta a contradição de um presidente que quer preços livres e que prega a liberdade, mas que impede a negociação livre entre patrões e empregados, e reprime os protestos contra o governo.

“Os trabalhadores e os aposentados não podem continuar como o eixo central deste ajuste. Não podemos ter preços livres e salários contidos em baixa. Precisamos de liberdade de negociação e de homologação dos acordos”, exige Daer.

36 horas de medidas de força

A greve geral começou à meia-noite desta quinta e, por 24 horas, vai paralisar a maior parte da economia. Porém, as manifestações começaram 12 horas antes.

Durante a tarde dessa quarta-feira (9/4), os principais sindicatos, organizações de esquerda e movimentos sociais juntaram-se à tradicional manifestação dos aposentados que acontece todas as quartas, em frente ao Congresso.

O objetivo foi ganhar volume político, associando-se com os aposentados, o setor social mais castigado pelo ajuste fiscal do presidente Milei.

Há um mês, quando os sindicalistas decidiram anunciar uma greve geral, o governo reprimiu violentamente uma manifestação de aposentados com o apoio de torcidas organizadas.

Vários atores políticos, como os torcedores violentos e os sindicalistas, cuja imagem social está entre as mais negativas na sociedade, têm usado os aposentados para desgastar o governo.

Na manifestação em frente ao Congresso, os aposentados são conscientes desse uso político, mas sentem que ganham visibilidade.

“Sim, em parte é oportunismo da CGT. Seria melhor que realmente representassem os trabalhadores, mas, em determinado aspecto, esse oportunismo ajuda. Para o trabalhador de antes, hoje aposentado, esse apoio é bom”, avalia à RFI o aposentado Ricardo Fassi.

“Não importa de onde vier o apoio. É uma vinculação com as lutas populares, tal como fizeram as torcidas organizadas. Em princípio, acho positivo para gerar um levantamento popular que termine com este regime podre que não tem nada de democrático e que afunda os aposentados”, defende à RFI o aposentado Osvaldo Riganti.

Visão de Milei

Para o governo, esta greve é meramente política. Na Argentina, o sindicalismo é abertamente peronista. Quando um governo é peronista, praticamente não sofre greves. Quando não é peronista, é atacado constantemente pelo sindicalismo.

Um bom exemplo disso, segundo o governo, foi a presidência de Alberto Fernández (2019-2023) que corroeu o poder aquisitivo dos trabalhadores, mas não sofreu nenhuma greve geral em quatro anos.

“Esses sindicalistas são desrespeitosos com a inteligência dos argentinos porque, se agora falam sobre poder aquisitivo, ninguém destruiu mais o poder aquisitivo do que Alberto Fernández, a quem não fizeram nenhuma greve”, disse o porta-voz de Milei, Manuel Adorni.

O governo Milei já mandou um recado nas últimas horas: se ganhar as eleições legislativas de outubro, vai avançar com uma reforma trabalhista.

“Queremos obter uma representação que nos permita avançar com reformas das que a Argentina precisa. As pequenas reformas trabalhistas que fizemos ainda não são suficientes para solucionar as dificuldades que a lei de contrato de trabalho na Argentina gera”, antecipou o chefe do gabinete de ministros, Guillermo Francos.

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