Jovens acusam pais de santo de abuso sexual. PCDF investiga o caso

Dois pais de santo do Distrito Federal são acusados de abuso sexual por três frequentadores de terreiros no Gama. Os jovens, um de 18 anos e dois de 22, registraram boletim de ocorrência na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) contra Allysson Rodrigues Prata e Fábio Vicente de Souza Santana, que são casados e responsáveis pelas casas de candomblé Ile Alaketu Ase Ajagunan e Tenda Espírita Vovô Pedro de Angola.

As denúncias envolvem dois casos atribuídos a Fábio Vicente e um caso contra Allysson Rodrigues. As vítimas prestaram depoimento na polícia. Os religiosos negam qualquer tipo de abuso sexual e registraram ocorrência por difamação, na quinta-feira (3/4). A 14ª Delegacia de Polícia (Gama) abriu inquérito para apurar o caso.

As vítimas apontam um padrão de comportamento dos religiosos. Os jovens contam que, após as atividades na casa Ile Alaketu, eram acordadas de madrugada com toques não consentidos nas partes íntimas e, também, pedidos de masturbação.

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Casa de candomblé Ilê Alaketu Ase Ajagunan, onde as três vítimas relataram que sofreram assédio sexual

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Allysson Rodrigues Prata e Fábio Vicente de Souza Santana

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Casa de candomblé Ilê Alaketu Ase Ajagunan, onde as três vítimas relataram que sofreram assédio sexual

Material obtido pelo Metrópoles

Acusações

Um jovem de 22 anos disse que frequenta a casa de Fábio Vicente há três anos. Ele contou à reportagem que tinha respeito pelo líder religioso e nunca havia dado abertura para qualquer contato íntimo. Na madrugada do dia 28 de março de 2025, depois de uma festa no terreiro para Oxalá, o jovem se deitou ao lado do pai de santo porque, segundo ele, não tinha levado coberta para o local. De acordo com o relato do jovem, ele dormiu por conta do cansaço, enquanto o Fábio Vicente estava assistindo uma série.

O rapaz disse que, por volta das 6h da manhã, acordou ao sentir que Fábio Vicente tentava desamarrar o cordão de sua calça, enquanto acariciava seu órgão genital por cima da roupa. Ele afirmou que, assustado, interpelou o pai de santo, que teria o questionado: “Você vai me dar leitinho?”. Sem entender, o jovem perguntou o que Fábio Vicente queria dizer, e ouviu como resposta: “À noite, você me deu leitinho. Agora de manhã não quer dar de novo?”.

O jovem afirmou que não se recorda de ter mantido nem consentido com qualquer tipo de contato íntimo com Fábio Vicente durante a noite. Após o episódio, relatou ter deixado o cômodo assustado e retornado ao barracão onde os demais frequentadores estavam. A vítima disse que conversou com pessoas presentes no terreiro e descobriu outras situações que indicam abuso do pai de santo.

Em áudio obtido pelo Metrópoles, Fábio Vicente reúne os filhos de santo no terreiro para se explicar sobre as acusações. Ele confirmou que fez sexo oral no jovem em questão, mas foi com consentimento, segundo ele.

Ouça o áudio:

 

“(nome da vítima) colocou a minha mão no pinto dele, virou e abaixou a calça. E eu, no meu momento de fragilidade, no meu erro, fiz sexo oral no (nome da vítima)”, afirmou. Em outro trecho, diz: “Não abusei de (nome da vítima) não forcei, não enforquei, não mordi, não ameacei, não importunei. Ele pegou a minha mão e colocou no pinto dele”. O rapaz nega essa versão.

“Pesadelo”

Um outro rapaz, também de 22 anos, contou que conheceu Fábio Vicente há cinco anos, na casa Vovô Pedro de Angola. Uma amiga tinha o levado para conhecer e ele gostou do espaço. Os dois tornaram-se próximos, mas o pai de santo nunca havia feito investidas sexuais até fevereiro de 2025, de acordo com o jovem. Mesmo assim, segundo ele, o ambiente era de controle e abuso. “Fábio queria saber da nossa vida íntima, com quem estávamos, reclamava de tatuagem e piercing, queria saber de tudo”, disse à reportagem.

Durante uma festa religiosa em que todos dormiram no barracão, em fevereiro deste ano, o filho de santo disse que acordou com a mão de Fábio Vicente em sua parte íntima. “Paralisei na hora. Já passei por questões de abuso e foi um gatilho. Era um pesadelo, fiquei sem reação”, relatou. Segundo ele, Fábio insistiu: “Calma, filho, eu vou apenas fazer você gozar, mas não fala para o Allysson, senão você acaba com a minha vida”.

O homem relatou que estava vulnerável, pois dependia financeiramente do terreiro. “Eu estava desempregado, comia na casa deles, viajava para São Paulo com eles, muitas vezes sem dinheiro. As coisas mudaram quando viram que eu estava conquistando as coisas”, disse.

Em uma troca de mensagens a qual o Metrópoles teve acesso, o jovem diz a Fábio Vicente que saiu do terreiro em razão do que aconteceu há meses, sem especificar o que seria. Ao pai de santo, o rapaz afirma que “já faz meses que guardo algo para mim que me machuca, me sufoca e acabou com todo o meu psicológico”.

Em resposta, Fábio Vicente afirma: “Eu te prometo não reproduzir. Eu juro para você e por todos os orixás que existem na terra que tudo foi de cabeça quente e impensada e que nunca se repetiu ou se repetirá. Foi uma falha, uma única falha em anos”. Por fim, acrescenta: “Não mereço perdão?”

A conversa foi apresentada à 14ª Delegacia de Polícia pelo denunciante.

Veja os prints da conversa:

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Pais de santo do Gama são alvo de investigação por assédio

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Material obtido pelo Metrópoles

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Material obtido pelo Metrópoles

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Material obtido pelo Metrópoles

 

Masturbação sem consentimento

O terceiro caso investigado envolve o pai santo Allysson Rodrigues Prata, marido de Fábio Vicente. Um jovem de 18 anos foi acolhido e passou a morar no terreiro de candomblé após ser expulso de casa. Segundo ele, o assédio começou quando Allysson viu um vídeo íntimo em seu celular. A partir daí, passaram a ocorrer toques sem consentimento nas partes íntimas.

O jovem disse à reportagem que, por vezes, acordava com a mão de Alysson em seu pênis, mas não reagia por medo de ser expulso do terreiro. De acordo com o depoimento, em fevereiro de 2025, dormindo apenas de cueca devido ao calor, afirmou ter sido surpreendido por Allysson tocando sua genitália e realizando movimentos de masturbação. Ao tentar afastá-lo, ouviu: “Pare de ser chato, deixa eu fazer”.

Segundo ele, Allysson costuma humilhar os frequentadores, principalmente aqueles que vivem em situação de vulnerabilidade e residem no centro religioso. A violência psicológica, segundo a vítima, inclui xingamentos na frente dos demais membros, que seriam chamados de “merda”.

A 14ª Delegacia de Polícia (Gama) confirmou à reportagem que um inquérito foi aberto para investigação dos fatos. Informou ainda que algumas diligências já foram feitas e outras ocorrerão nos próximos dias.

Outro lado 

Fábio Vicente afirmou, em nota, que o caso está sendo apurado pela Polícia Civil e que ele está confiante de que a inocência será comprovada. O pai de santo registrou um boletim de ocorrência por difamação contra um dos denunciantes, por entender que tentam prejudicar sua reputação e a da casa de candomblé que dirige no Gama. Fábio Vicente disse que os advogados já estão tomando as providências legais necessárias.

Allysson Rodrigues Prata afirmou “nunca ter sido acusado de algo tão grave em seus 33 anos de vida” e disse pautar sua trajetória na “ética, transparência e honestidade”. Ele disse que as denúncias “têm o objetivo de desqualificar sua imagem perante a sociedade”. O pai de santo destacou que “todos os frequentadores de sua casa de candomblé conhecem seu compromisso no combate a qualquer tipo de crime”. Allysson disse confiar que a Justiça provará sua inocência e afirmou que irá processar as pessoas envolvidas na denúncia.

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