Com pouco mais de um ano de atuação, a Empresa de Regularização de Terras Rurais (ETR) tem destravado um dos principais gargalos da política agrícola no Distrito Federal: a individualização de matrículas em áreas rurais.
Criada em 2023 como subsidiária da Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap), a empresa foi estruturada para acelerar a regularização fundiária no DF — onde 68% do território é composto por áreas rurais —, além de garantir aos produtores o direito à titularidade definitiva da terra.
Até o momento, já foram individualizados 4.623 hectares de terras rurais na capital federal. Para este ano, a meta é alcançar 6 mil hectares regularizados.
A previsão leva em conta o tempo médio de análise dos processos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que pode chegar a sete meses.
Para Thúlio Cunha Moraes, diretor de produção da ETR, a atuação da empresa vai além da concessão de uso. Moraes explica que todo o trabalho é feito para que os produtores rurais tenham, de fato, o registro da propriedade em cartório.
O documento — a matrícula individualizada — é fundamental para garantir segurança jurídica e acesso a uma série de direitos e políticas públicas.
A estratégia da ETR combina três frentes principais: atuação da equipe técnica própria, contratação de empresas especializadas e parcerias com entidades locais. Essas parcerias, segundo a empresa, são fundamentais para agilizar os processos e reduzir custos.
“Com a parceria, o custo é reduzido e o tempo de execução é menor. A própria comunidade rural pode contratar os técnicos, elaborar os documentos e entregar para a ETR. Em cerca de 60 dias conseguimos concluir o processo e gerar a matrícula enquanto por licitação isso pode levar mais de seis meses”, explica Teles.
Com a regularização, os produtores podem obter financiamento, contratar funcionários, ampliar a produção e até acessar serviços básicos, como água e energia elétrica.
O presidente da ETR, Candido Teles, destaca ainda que a titulação abre as portas do crédito rural, especialmente por meio do Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO).
“Com o título em mãos, o produtor pode usar a terra como garantia, acessar financiamento com juros de até 3% ao ano e até dois anos de carência. Isso estimula o investimento em tecnologia, compra de máquinas, aquisição de rebanho e expansão da produção”, afirma.
Além dos benefícios econômicos, a regularização contribui para manter as famílias no campo. “O jovem vai estudar na cidade e não volta mais. Mas, se houver oportunidade de renda e qualidade de vida no campo, ele permanece e contribui com a produção. O Brasil precisa fixar o cidadão no campo, porque não existe cidade sem campo”, argumenta Teles.
Foco nos pequenos produtores
Mais de 90% dos produtores rurais do DF ocupam áreas de até cinco hectares. São agricultores familiares que dependem da titulação para acessar políticas públicas, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), compras institucionais do governo e linhas de crédito específicas para o setor.
Boa parte desses pequenos produtores estão instalados há anos, oferecendo produtos de qualidade para a população do Distrito Federal. Um exemplo é o Combinado Agrourbano de Brasília (Caub I), localizado na região administrativa do Riacho Fundo II.
Trata-se de um modelo de reforma agrária implantado em 1986, no qual 100 famílias selecionadas receberam um lote constituído por uma residência e uma chácara de seis hectares. Poucos anos mais tarde, o governo local criou o Caub II também com o objetivo de assentar famílias com fins agropecuários.
“A finalidade do Caub era alimentar o DF com hortaliças e frutas”, aponta Orlando Costa de Azevedo, presidente da Associação dos Produtores Rurais e Moradores do Caub.
De acordo com ele, após uma praga afetar a produção de insumos na região, o governo à época decidiu não dar continuidade ao projeto e nunca regularizou a região.
Orlando, que cresceu no campo e encontrou no plantio uma paixão, conta que ter esse processo pela ETR é a realização de um sonho. “Foram anos de reivindicações em busca de uma segurança jurídica. Agora, vamos poder investir no terreno com a segurança de que é nosso”, pontua.
Considerado um dos maiores produtores de jabuticaba no Distrito Federal, com 85 pés plantados, Azevedo se prepara para investir ainda mais na produção de produtos derivados da fruta, como licores, geleias e molhos.
Panoramas fundiários
A complexidade do trabalho da ETR se reflete na divisão do território rural em três grandes áreas chamadas de “Panoramas”, que representam um estágio distinto da regularização fundiária, com desafios técnicos e jurídicos próprios.
No Panorama 1, a empresa já concluiu o processo em regiões como Riacho das Pedras e Santo Antônio dos Guimarães. Foram 43 imóveis regularizados, totalizando 3.941 hectares.
“São áreas consolidadas, onde os moradores respeitam os limites, as cercas, as ocupações são tradicionais. A gente basicamente confirma o que já existe de fato”, explica Moraes.
O Panorama 2 abrange áreas maiores, como as fazendas Barra Alta e Boa Vista, que somam cerca de 20 mil hectares. O parcelamento dessas terras foi feito ainda em 2014, pela Terracap, mas antes das normas atuais do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef/Incra), o que exige atualização das certificações.
“Hoje, se quisermos lançar um edital de licitação, não conseguimos registrar a escritura porque o cartório exige a certificação atualizada. Estamos trabalhando para resolver essas pendências”, ressalta o diretor.
Já o Panorama 3 envolve áreas com maior pressão urbana, como Vargem Bonita e Caub. São regiões periurbanas com forte vocação rural, mas ocupadas de forma menos estruturada, como no caso da colônia japonesa ou dos assentamentos formados nas décadas de 1980 e 1990.
“Assumimos o desafio de levar a regularização também para essas áreas. Vargem Bonita tem um polo importante de produção de hortaliças, e o Caub concentra agroindústrias e atividades de armazenagem”, complementa Moraes. “Estamos mostrando que é possível gerar matrícula individualizada tanto em territórios rurais consolidados quanto em áreas próximas à cidade.”