

Caranguejo da Babitonga impulsiona renda e valoriza cultura no litoral catarinense – Foto: Divulgação
No Norte de Santa Catarina, a Baía da Babitonga é muito mais do que um ponto no mapa. Com 153 km² de lâmina d’água, ela abriga o maior manguezal do estado – e cerca de 75% de todos os manguezais catarinenses.
É um estuário, ou seja, um ambiente onde a água doce dos rios se encontra com a água salgada do mar, criando um ecossistema riquíssimo em biodiversidade. É ali que nasce um dos alimentos mais simbólicos da região: o caranguejo.
“Esse encontro de água doce com água salgada gera um ambiente que é muito rico, que gera muito alimento, muito nutriente para todas as espécies marinhas”, explica o biólogo Renan Paitach.
Da fauna às famílias que vivem do mangue: tudo pulsa em ritmo próprio, ditado pelas marés, pelas luas e pelo respeito ao ciclo da natureza. É nesse cenário que o caranguejo sai da lama e ganha espaço nas mesas, nos mercados e nas histórias de quem vive da pesca artesanal.
Uma cadeia que começa no mangue e passa por gerações
Em São Francisco do Sul, cidade mais antiga de Santa Catarina, o manguezal se estende como um labirinto de raízes. A coleta do caranguejo é uma atividade exigente, feita com o corpo mergulhado na lama, os olhos atentos aos movimentos sutis e as mãos rápidas para vencer o tempo.
As regras de convivência com o mangue são claras e respeitadas pelos catadores. A fêmea, por exemplo, não pode ser capturada. Segundo Elias Pacheco, catador de caranguejos, o ideal é capturar os machos para não mexer no ecossistema. Ele reforça que a pesca sustentável é parte do modo de vida de quem depende da natureza.
Além da proteção às fêmeas, a legislação determina tamanho mínimo e proíbe a venda de partes do caranguejo. Segundo Edir Tedesco, oceanógrafo da Epagri, a legislação exige que o caranguejo tenha no mínimo seis centímetros de carapaça, que a coleta seja manual e que a comercialização ocorra apenas com o animal inteiro, sendo proibida a venda de partes isoladas, como as garras.
Em Joinville, o Instituto Caranga vem promovendo educação ambiental nas escolas públicas desde 2007, mostrando que a importância do caranguejo transcende o prato.O mascote “Caranga” já estampou 350 mil gibis, ensinando crianças sobre o papel do manguezal.
“O caranguejo nasceu com uma forma de símbolo do manguezal. Então quando a gente percebe que o manguezal está saudável, a gente percebe exatamente as espécies que estão no mangue. E o caranguejo é o que representa os manguezais”, explica José Xavier, designer mestre em educação ambiental, que faz parte do projeto.
Sabor que movimenta a economia e atravessa gerações
Entre dezembro e o Carnaval, o consumo de caranguejo em Santa Catarina mais que dobra. Em 2024, a pesca artesanal do crustáceo somou 141 toneladas, segundo o Observatório Agro Catarinense.
Nos mercados públicos da região, o movimento é intenso, como no de Joinville, onde um vendedor comenta: “Hoje já saiu em média umas 70 dúzias de manhã, tem bastante encomenda”.
Mas o caranguejo da Babitonga não se destaca apenas pelo volume. Ele é tratado como um verdadeiro tesouro gastronômico. No Morro do Amaral, a tradição é mantida por famílias como a de Iracema Candido: “É gratificante tirar o nosso sustento, trazer pra mesa, né, pros nossos filhos se alimentarem. Então viver do caranguejo é maravilhoso.”
Na cozinha, ela prepara um ensopado com pirão, usando o caldo do próprio crustáceo, e se emociona, lembrando de suas raízes e de onde vem a receita.
Saberes tradicionais e inovação à mesa
Com o crescimento da demanda, restaurantes especializados têm criado novos sabores a partir da tradição. Em Joinville, um estabelecimento fundado por Edison Roika, o Alemão, se tornou referência no preparo do caranguejo.
Hoje, quem comanda o negócio é seu filho, Júnior. Juntos, vendem cerca de 40 dúzias por dia. A receita é mantida em segredo, mas o cuidado com cada etapa do preparo é evidente.
“Tudo que eu tenho, tudo o que eu vivo, vem do caranguejo, né. Por isso a gente sempre respeita o caranguejo, né. Desde a hora que pega ele no mangue até a hora que põe na mesa.” – comenta o empreendedor.
Além de saboroso, o caranguejo é um alimento rico em nutrientes. A nutricionista Marilyn Ferreira conta que ele é muito rico em cálcio, zinco e selênio, ajudando no funcionamento do intestino e do cérebro.
“Então se você está dando esse nutriente para o intestino, também está deixando o seu cérebro mais ativo.” – completa.
Para saber mais sobre a produção do caranguejo da Babitonga e ver essas histórias de perto, assista ao episódio completo do programa Agro, Saúde e Cooperação. O projeto, desenvolvido pelo Grupo ND, tem parceria com a Ocesc, Aurora, SindArroz Santa Catarina, Sicoob e ADS Drones.