Internado após uma sequência de episódios de arritmia, o cardiologista intensivista Silvio Luis de Souza Pantaleão, de 65 anos, repentinamente se viu do outro lado da rotina hospitalar que conhece há mais de quatro décadas com alto risco de ter um AVC a qualquer momento.
Após ter tido Covid-19 pela quarta vez em 2022, ele começou a sentir os sintomas de que seu coração não estava bem e foi internado para monitoramento. “Tive arritmia três vezes em um mês: aos quatro, 10 e 30 dias que estava internado e sabia bem o que isso significava para o meu risco de problemas cardiovasculares”, resume o médico.
A arritmia cardíaca foi do tipo fibrilação atrial, a mais comum. Neste caso, as palpitações, falta de ar e tonteira características do quadro são causadas pela movimentação de uma das regiões do coração em um ritmo muito mais enfraquecido do que as demais, o que pode levar a episódios de dor intensa.
Como o dispositivo impede o AVC
A fibrilação atrial não costuma levar ao risco de morte, mas aumenta em até cinco vezes o risco de acidente vascular cerebral (AVC). Só no Brasil, estima-se que a arritmia esteja relacionada a 120 mil casos por ano. Em muitos deles, a primeira manifestação da condição é o próprio acidente vascular cerebral.
É que o quadro facilita a formação de um aprisionamento de sangue no coração, formando coágulos sanguíneos no órgão que, se pararem no cérebro, causam o derrame.
“Meu medo como paciente era ter um AVC, por que sabia que a chance de morrer da arritmia era pequena”, lembra ele. “O medo de ter um AVC é uma coisa que não dá para explicar. Tenho medo, medo todo mundo tem, mas naquele momento eu percebia a iminência daquilo e de como eu poderia facilmente me tornar um peso para as pessoas da minha família. Então ter uma maior segurança de que isso não ia acontecer se tornou uma coisa urgente para mim”, resume o cardiologista.
Como o dispositivo é colocado?
A solução apresentada pelo colega de profissão Tarcísio Vasconcelos para diminuir os riscos de AVC do amigo foi colocar um dispositivo no coração que funciona de forma semelhante a uma rolha, um oclusor do apêndice atrial esquerdo (LAAC) chamado “Watchman”.
“O dispositivo funciona como uma espécie de rolha mesmo. O mecanismo pelo qual ele evita o AVC é por bloquear, na verdade, a entrada do sangue no apêndice atrial esquerdo, que é uma estrutura cheia de sulcos dentro do coração e onde se formam a maior parte dos coágulos. Ao bloquear essa zona, a gente consegue manter uma saúde muito maior do coração”, ilustra Tarcísio.
O uso do dispositivo LAAC não é a única forma de diminuir o risco de AVC em pacientes com arritmia cardíaca. Na realidade, a maior parte dos pacientes recebe a indicação de fazer tratamento com anticoagulantes que impedem a formação.
“Este tratamento é seguro com os medicamentos que possuímos hoje em dia, mas não queria usá-lo. Como tenho problemas gástricos, tinha medo de ter uma hemorragia alí no intestino ou no estômago, o que é muito danoso para o organismo. E também pratico esportes sempre, tenho um risco grande de me machucar e preciso estar com minha coagulação funcionando bem, então para mim foi muito mais cômodo colocar o dispositivo. É para a vida inteira. E não preciso de remédios”, diz ele.
Procedimento simplificado
O LAAC é um procedimento minimamente invasivo que é realizado em cerca de duas horas. O acesso ao coração é feito com uma sonda colocada na virilha e movimentada até entrar no coração.
O paciente pode receber alta no mesmo dia ou após breve observação. A recomendação é limitar atividades por algumas semanas. Apesar de ser considerado simples, o procedimento não é excluído de riscos. Há riscos de sangramentos, falhas ou deslocamentos do dispositivo, mas a chance de problemas é baixo.
Desde julho de 2024, o Watchman, dispositivo que Silvio implantou, está disponível no Brasil com cobertura obrigatória pelos planos de saúde, já que foi incluído no rol da ANS. Entretanto, muitos profissionais de saúde ainda desconhecem os benefícios do uso.

Por isso, o cardiologista afirma ter se tornado um multiplicador do procedimento. “Falo bastante do dispositivo com meus colegas e também com meus pacientes. Eles gostam de saber como eu me recuperei e entendem melhor os riscos quando digo que passei pelo procedimento na pele. E sempre faço questão de dizer que já estava jogando tênis 30 dias depois”, completa.
De acordo com estudo clínico da Boston Scientific, fabricante do dispositivo, 96% dos pacientes conseguiram suspender o uso de anticoagulantes após 45 dias do procedimento.
Após o implante, é necessário seguir um protocolo com uso de anticoagulantes por até seis semanas, seguido por medicação antiplaquetária, até que se avalie a eficácia do aparelho.
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