Grafite para cegos simboliza inclusão no coração de Pinheiros, em SP

São Paulo — Um grafite sensorial com texturas tridimensionais, inscrições em braille e QR Codes com audiodescrição estará exposto no Beco do Batman, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, até o dia 29 de abril. A obra, assinada por Fernando Berg, faz parte do projeto Graffiti #PraCegoVer, e permite que pessoas com deficiência visual possam explorar os detalhes da arte por meio do tato e da audição.

Para o grafiteiro, foi uma honra ter sido convidado para criar a obra da terceira edição do projeto. “Eu me senti muito feliz de fazer parte disso. É um projeto de acessibilidade e inclusão, incluindo a arte que é uma coisa muito visual”, refletiu em entrevista ao Metrópoles.

Veja a obra:

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A obra, assinada por Fernando Berg, faz parte do projeto Graffiti #PraCegoVer, e permite que pessoas com deficiência visual possam explorar os detalhes da arte por meio do tato e da audição

Para o grafiteiro, foi uma honra ter sido convidado para criar a obra da terceira edição do projeto
Grafite com textura e braille é símbolo de inclusão no coração de Pinheiros
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Um grafite sensorial com texturas tridimensionais, inscrições em braille e QR Codes com audiodescrição estará exposto no Beco do Batman

Isabela Thurmann/ Metrópoles

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A obra, assinada por Fernando Berg, faz parte do projeto Graffiti #PraCegoVer, e permite que pessoas com deficiência visual possam explorar os detalhes da arte por meio do tato e da audição

Isabela Thurmann Metrópoles

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Para o grafiteiro, foi uma honra ter sido convidado para criar a obra da terceira edição do projeto

Richard Medeiros/ Metrópoles

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Grafite com textura e braille é símbolo de inclusão no coração de Pinheiros

Divulgação

O tatu-canastra foi escolhido para ser representado por Fernando. Ele explicou que selecionou o animal já pensando na questão das texturas do casco, das escamas, do bico e das unhas grandes.

Berg quis retratar o animal, que está em alguns biomas do Brasil e não é muito conhecido, para tornar o mural importante não só pela inclusão, mas também pela conservação de espécies. “É muito importante a gente poder apontar os animais que são pouco falados e poder trazer de uma forma acessível para pessoas com deficiência visual”, falou.

O grafiteiro, que se destaca por pintar artes da fauna e flora brasileira, costuma colocar coroas nos animais, para criar referências de que eles são todos seres divinos. Por isso, Fernando escolheu flores cor-de-rosa para ilustrar em volta do tatu-canastra.

“Eu sempre faço uma composição com luzes e adornos. A flor se apresenta como esse adorno em volta, onde o tatu está centralizado. Tudo que está em volta, o sol, a lua, a flor e a planta, eles estão reverenciando o tatu”, explicou. Segundo ele, a folha na “testa” do animal representa todo o conhecimento da natureza. “Representa o tatu carregando a floresta e todo o conhecimento da natureza com ele.”

Outro motivo pelo qual Fernando Berg ter escolhido retratar o tatu-canastra foi o fato que ele é conhecido como engenheiro do ecossistema, ou seja, por ser o maior tatu do mundo, ele faz tocas muito grandes e, quando ele deixa o local, animais de outras espécies usam a toca dele para se proteger, dormir, se alimentar ou cuidar de suas crias. O artista quis trazer esse lado do tatu, que “abraça” outros animais, porque, para ele, o projeto “abraça” a inclusão.

Como foi criar o grafite

O primeiro passo de Fernando foi realizar um desenho digital com sua ideia, com as flores, as folhas e, é claro, o tatu-canastra, de forma vetorizada. Ele, então, enviou sua arte para o diretor de arte do projeto, Murilo, que tem baixa visão, é transplantado, fez a parte tridimensional e as impressões em 3D. Neste momento, o artista também fez as inscrições em braille.

“Eu apresentei o desenho, apliquei o conceito, expliquei o que era e eles executaram essa parte mais técnica”, disse. Para criar a obra, como um todo, demorou mais de um mês. No dia de pintar o mural em si, Fernando contou que passou cerca de 6 horas e meia no Beco do Batman. Como era um sábado e o local estava lotado, as pessoas paravam para conversar, tirar fotos e perguntar sobre o projeto.

“Essa foi uma das obras mais desafiadoras que eu já pintei, porque o desenho já está delimitado aqui, já está riscado. Quando eu fui entendendo que tinha que contornar, fazer a textura, fazer a pintura com as manchas e tudo, foi bem complicado. Mas, depois, eu fui entendendo melhor a textura e fui desenvolvendo, aí fluiu legal, mas demorou umas duas horas para eu entender a textura do processo”, admitiu o grafiteiro.

Graffiti #PraCegoVer

Roberto Parisi, o curador do Graffiti #PraCegoVer contou ao Metrópoles que o projeto nasceu da necessidade de pensar a inclusão e acessibilidade dos projetos de arte a partir da deficiência, e não “acessibilizando” o projeto.

“Existe um objeto de arte e ele não é feito para o público não-vidente. A gente tentou subverter essa lógica”, explicou. “A gente tenta pensar a partir da lógica da própria deficiência ou da diversidade”, disse.

A produtora MOSAIKY, idealizadora do projeto, é formada por pessoas com deficiência (PCDs). Parsi, inclusive, é autista com grau de suporte 1. O produtor da empresa, o Fábio, tem encurtamento dos membros inferiores e o Murilo, diretor de arte, tem baixa visão e é transplantado.

“Eu acredito muito no grafite e na arte, principalmente, como um instrumento de cidadania, no sentido de que: a gente experiencia a arte”, disse. Roberto falou sobre a importância de ampliar o acesso à arte entre os discursos dentro da cidade de São Paulo.

Para o curador do projeto, o público não-vidente (cegos e baixa visão) não experimenta a capital paulista em sua totalidade. “Qualquer lugar que a gente andar, a gente vai encontrar um grafite num viaduto, numa viela, numa parede, em grandes avenidas… Mas isso é inacessível, isso é inalcançável para uma boa parcela da população”, lamentou.

O Graffiti #PraCegoVer nasceu, então, dessa necessidade de tornar uma atividade de cidadania democrática e de pensar os projetos a partir da deficiência.

As artes do projeto vêm de um longo histórico de pesquisa de cada artista, trabalha ou já trabalhou com a MOSAIKY. Fernando Berg, o artista por trás do tatu-canastra, inclusive, já trabalha com eles há 10 anos. “A gente sempre trata dos temas de inclusão, de diversidade, de ecologia, de sustentabilidade e dessa necessidade de refletir sobre as relações humanas”, explicou Roberto sobre a escolha das imagens ilustradas nos murais.

As texturas tridimensionais usadas nas obras fazem parte do desenvolvimento da tecnologia de inclusão do projeto, porque elas guiam os dedos, são inteiras feitas para direcionar o dedo entre o desenho. “No tatu, por exemplo, se você seguir dos olhos dele, ele vai te indicar até o meio para ter a noção, através do tato, de uma forma muito orgânica de como tatear e de como entender essa imagem, tanto com o auxílio da audiodescrição, do braille e da textura dos vincos que formam o relevo da imagem”, descreveu Parisi.

Desde a primeira edição do Graffiti #PraCegoVer, são desenvolvidas pesquisas e workshops para ampliar a tecnologia de inclusão do projeto.

Os workshops tratam da relação da curadoria com o artista, começando com uma Roberto descrevendo o processo de forma mais técnica e metodológica de como pensar a arte através da inclusão e da deficiência, estabelecendo uma grande teia conceitual, para discutir as possibilidades e potencialidades dentro projeto. Em seguida, o Murilo explica o processo que envolve a produção do Grafite #PraCegoVer e as adaptações da tecnologia.

Segundo Roberto Parisi, o projeto foi bem recebido pelo público desde a primeira edição, que também aconteceu no Beco do Batman. O Graffiti #PraCegoVer também teve exposições no Mundo das Crianças, em Jundiaí, no interior de São Paulo, e no Rio de Janeiro, na Casa de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ).

“A gente teve uma repercussão incrível entre os artistas, entre o público de artes na cidade de São Paulo e no Brasil inteiro, pela comunidade não-vidente, pelos centros de treinamento e pelos centros de acolhimento”, reconheceu o curador.

Beco do Batman

Roberto avalia que o Beco do Batman, junto com a Avenida Paulista, a Consolação e o Minhocão, é um dos corações turísticos e pulsantes para a arte do grafite.

“A ideia é expandir o projeto, expandir a visibilidade dele, integrando essa cena, que é alternativa, mas cada vez mais oficializada, do grafite na cidade de São Paulo”, explicou.

Ainda nesta edição do Graffiti #PraCegoVer, mais dois painéis serão expostos na capital paulista. O tatu-canastra de Fernando Berg fica no Beco do Batman até o dia 29 de abril, mas, novos murais serão pintados em 3 de maio, na Caixa Cultural, e em 21 de junho, no CEU Alvarenga.

Neste ano, serão criados murais em Piracicaba, Jundiaí e Campinas. Ainda não há data para a realização dos grafites sensoriais nas cidades do interior paulista.

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