“Vamos fechar o hospital dele”: conversas expõem máfia da anestesia

Mensagens e áudios evidenciam um esquema estruturado de intimidação e boicote articulado por integrantes da Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas do DF (Coopanest-DF). A estratégia tinha como alvo um hospital particular da capital federal, que rompeu com o grupo que monopolizava os serviços de anestesiologia na instituição. Os materiais incluem ameaças diretas, perseguição profissional, processos de expulsão e tentativas de retaliação institucional.

O ponto de inflexão ocorreu quando o hospital decidiu ampliar suas salas cirúrgicas e exigiu contrapartida da cooperativa para arcar com os custos da expansão. Com a negativa da Clínica de Anestesiologia de Brasília (CAB), filiada à Coopanest, o hospital rompeu o contrato e passou a contratar anestesistas independentes. A decisão teria dado início a um movimento coordenado para sufocar o hospital e dissuadir médicos de atuarem na instituição.

Em uma das conversas, um dos anestesistas ligados à cooperativa enviou mensagem ao filho do dono do hospital afirmando que era melhor ele “convencer o velho, porque nós vamos fechar o hospital dele”. A frase sintetiza a ofensiva da chamada “máfia da anestesia” contra a autonomia do hospital e os médicos dissidentes.

As mensagens mostram que anestesistas que aceitaram atuar no local foram imediatamente alvos de ameaças, denúncias e processos internos. Profissionais foram acusados de infrações éticas e passaram a responder a notificações de expulsão da cooperativa.

Alguns relataram pressões envolvendo familiares e até insinuações de perseguição em outros vínculos empregatícios. Em um dos episódios, uma médica foi alertada de que seu filho recém-formado “não arrumaria emprego em Brasília”.

Gravações feitas por médicos dissidentes reforçam que o objetivo não era apenas punir os colegas, mas inviabilizar o funcionamento do hospital. Em um dos áudios, um anestesista afirma que a ideia era “fazer um cerco” para impedir qualquer anestesista de trabalhar no hospital. A meta, segundo os próprios envolvidos, era levar a instituição à incapacidade de realizar cirurgias, forçando o hospital a recuar.

Boicote
O impacto foi imediato: o volume de procedimentos despencou. Cirurgias eletivas foram canceladas, e, em alguns dias, apenas emergências foram atendidas por falta de profissionais dispostos a enfrentar o boicote. Estima-se que mais de 790 cirurgias deixaram de ser realizadas nos meses seguintes ao início da pressão.

Além do boicote local, os registros revelam a preocupação da cúpula da Coopanest-DF com a possibilidade de o modelo adotado pelo hospital — com contratação direta e negociação com planos de saúde — se espalhar por outras instituições do DF. Integrantes da cooperativa demonstram receio de perder o controle do mercado e de que a quebra do monopólio incentive acordos mais transparentes entre hospitais e anestesistas, reduzindo a influência da entidade.

Operação Toque de Midaz
O caso se soma às apurações da Operação Toque de Midaz, deflagrada em abril pela Polícia Civil do DF e pelo Ministério Público. A ação teve como alvo os principais nomes da Coopanest-DF, suspeitos de integrar uma organização criminosa voltada ao cartel da anestesiologia na capital.

Segundo as investigações, o grupo impõe restrições a médicos independentes, fecha acordos exclusivos com operadoras de saúde e usa intimidação para manter domínio sobre os serviços em hospitais públicos e privados.

A cooperativa nega as acusações. Em nota, declarou que jamais praticou cartel ou qualquer ilegalidade, e que atua com ética há mais de 40 anos. A defesa afirma ainda que irá comprovar a legalidade da atuação de seus diretores.

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