No último dia 23 de abril, o Rio de Janeiro foi oficialmente nomeado Capital Mundial do Livro pela Unesco, tornando-se a primeira cidade de língua portuguesa a receber essa distinção. A cerimônia de abertura, realizada no Teatro Carlos Gomes, contou com a presença de autoridades, representantes da Unesco e figuras proeminentes da cultura brasileira, como os escritores Ruy Castro e Conceição Evaristo. Performances artísticas de nomes como Fernanda Abreu, Toni Garrido, Gregório Duvivier e Elisa Lucinda, inspiradas em obras da literatura nacional, deram o tom da celebração, reafirmando a riqueza, criatividade e a diversidade da nossa produção literária.
A escolha do Rio não se deu por acaso. Desde o Império, quando D. João VI desembarcou de Portugal trazendo consigo a Imprensa Régia e a Biblioteca Real — marcos fundadores da vida literária e intelectual do Brasil —, a cidade se afirmou como polo de uma literatura que foi decisiva para a formação da identidade nacional. Escritores como Machado de Assis, Lima Barreto e Euclides da Cunha contribuíram enormemente para a caracterização do Brasil como um país ímpar que então engatinhava. Nas páginas de suas obras projetava-se a alma de um povo com uma cultura também única.
O compromisso do Rio com políticas públicas de incentivo à leitura, vem destes tempos. Até hoje a cidade abriga instituições fundamentais para a memória e o estímulo à leitura, como o Real Gabinete Português de Leitura, a Biblioteca Nacional, a Biblioteca Parque e a Academia Brasileira de Letras. São espaços que guardam o passado e projetam o futuro da literatura brasileira.
A antiga capital do país também se destaca pelo vigor de suas bibliotecas populares e comunitárias, espalhadas por diversas regiões da cidade. Esses espaços cumprem um papel essencial na democratização do acesso ao livro, promovendo atividades culturais, encontros com autores e ações de mediação de leitura que contribuem para a formação de leitores críticos e socialmente engajados. Ao lado delas, resistem com vitalidade as livrarias clássicas do Rio de Janeiro — como a Argumento, a Travessa e a Blooks —, que se reinventaram como polos culturais vibrantes, pontos de encontro de intelectuais, artistas e amantes da literatura. São lugares que mantêm viva a tradição literária da cidade, reafirmando seu compromisso com a leitura e o pensamento.
A literatura brasileira sempre foi uma forma de compreender o país e de questioná-lo — e o Rio de Janeiro é, há séculos, um dos principais palcos dessa narrativa coletiva. A nomeação como Capital Mundial do Livro é, portanto, um gesto simbólico e pragmático: fortalece a cultura do livro, apoia o mercado editorial e estimula a formação de novos leitores.
Durante o período da distinção, o Rio sediará uma série de eventos literários, incluindo a Bienal do Livro e uma edição especial do Prêmio Jabuti, que será entregue no Theatro Municipal da capital fluminense e irá destacar as melhores iniciativas de fomento à leitura na cidade. Essas iniciativas visam projetar o livro e a leitura como pilares de cidadania e desenvolvimento humano. O apoio da Unesco, aliado ao esforço da Secretaria Municipal de Cultura, tem sido essencial nesse processo. Merece reconhecimento especial o trabalho do secretário Lucas Wosgrau Padilha, cuja articulação institucional e sensibilidade cultural têm sido decisivas para a concretização das ações previstas.
É fundamental que a educação esteja integralmente inserida nesse movimento, como destacou o secretário municipal Renan Ferreirinha em entrevista à jornalista Míriam Leitão, na Globonews. Por isso, integrar escolas e educadores ao calendário de atividades é estratégico para ampliar o impacto das ações, formar leitores permanentes e gerar pertencimento entre os jovens. A literatura não deve ser um privilégio, mas um direito.
Nos palcos e nas páginas, estavam nomes como Machado de Assis, Guimarães Rosa, Jorge Amado, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Raquel de Queiroz e Mário de Andrade — vozes clássicas que moldaram nosso imaginário. Mas também os novos e vigorosos talentos da literatura contemporânea: Itamar Vieira Jr., Jefferson Tenório, Aline Bei, Tereza Romão, Fabrício Corsaletti e Rosa Freire d’Aguiar. A literatura infantil, base de tantas trajetórias leitoras, foi representada por Monteiro Lobato, Ziraldo, Chico Buarque e Mauricio de Sousa.
O Rio de Janeiro, com sua beleza e complexidade, oferece agora ao mundo uma vitrine viva da literatura brasileira. Que este ano seja marcado por uma efervescência literária capaz de inspirar outras cidades e fortalecer a presença da nossa palavra no cenário internacional. A Capital Mundial do Livro é também, simbolicamente, a capital de uma nação que precisa, mais do que nunca, redescobrir-se através da leitura.
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Hubert Alquéres é curador do Prêmio Jabuti e presidente da Academia Paulista de Educação.
Sevani Matos é presidente da Câmara Brasileira do Livro.