Se algum cardeal foi sincero ao dizer que não queria ser Papa, pode ter sido o francês Alphonse de Richelieu. Imortalizado pelo escritor Alexandre Dumas como vilão em “Os Três Mosqueteiros”, o Cardeal Richelieu existiu de verdade, no século XVII. Porém, não há registro de que quisesse ocupar a cadeira de Sumo Pontífice, por um motivo simples: seu poder e sua importância como cardeal foram maiores do que muitos Papas conseguiram alcançar até hoje.
Richelieu tornou-se um dos clérigos mais importantes da história da Igreja Católica (e da monarquia europeia) em um período de redefinição dos regimes de governo e das fronteiras dos velhos reinos medievais. Ao contrário de seus colegas de batina, Richelieu evitou as disputas internas que assolavam a Cúria Romana e suas franquias locais após a Idade Média. Dedicou sua carreira à construção do Estado Nacional francês.
Em 1628, foi nomeado Primeiro-Ministro da França durante o reinado de Luís XIII, ficando responsável pelas Relações Exteriores do país, incluídas aí as tratativas diplomáticas e as estratégias militares. Nessa posição deu limite ao expansionismo territorial da linhagem nobre dos Habsburgos, que governavam a Espanha e o Sacro Império Romano-Germânico e eram adversários tradicionais da linhagem dos Bourbon, que comandava a Corte francesa.
Ao mesmo tempo, na política interna, Richelieu atuou em duas frentes. Por um lado, botou ordem nas disputas entre as diferentes correntes da nobreza francesa fortalecendo o governo central na figura do Rei em Paris. Por outro, impôs a vontade de Luís XIII à reestruturação da Igreja Católica na França, mantendo independência em relação ao próprio Papa Urbano VIII, originário da poderosa cidade de Florença. Richelieu manteve nas mãos do Rei as nomeações dos principais Bispos franceses e a definição de algumas doutrinas católicas no país.
A sagacidade diplomática e militar do Cardeal Richelieu ficou notória durante a Guerra dos Trinta Anos, que envolveu tronos católicos e protestantes. Nesse período, liderou a defesa dos interesses externos do Estado francês, administrando, ao mesmo tempo, o desgaste com o Papa Urbano VIII e a inimizade com os Habsburgos.
Antes disso, Richelieu havia derrotado a ameaça dos protestantes franceses ao reinado de Luís XIII (sendo acusado de autoritarismo e perseguição) enquanto garantia o controle do Rei sobre assuntos da Igreja Católica (criando tensões com o Papa). Curiosamente, na política externa, em plena Guerra dos Trinta Anos, Richelieu conseguiu recuperar simultaneamente o apoio do Papa Urbano VIII ao Rei católico francês e fazer alianças com governos protestantes, colocando todos contra os Habsburgos espanhóis.
Desse modo, o Cardeal Richelieu inaugurou o Estado Nacional Francês, consolidando a monarquia absolutista da Casa de Bourbon, dando dimensão de potência global à França, ao mesmo tempo em que preservou a influência da Igreja Católica na Europa e nas nascentes colônias europeias. Um Cardeal considerado por muitos historiadores um Estadista determinante na nova ordem geopolítica do Ocidente. Uma bifurcação histórica que afetaria o destino da humanidade nos quatro cantos da Terra.
Como se pode ver, apesar da repercussão midiática internacional em torno do Conclave desta semana, mesmo se considerarmos a população atual de um bilhão e meio de católicos mundo afora, dificilmente o 267º Papa terá o mesmo poder e influência que o Cardeal Richelieu demonstrou há 400 anos.
Felipe Sampaio: Cofundador do Centro Soberania e Clima; dirigiu o Instituto de Estudos de Defesa no Ministério da Defesa; foi diretor do sistema de estatísticas do Ministério da Justiça; atuou em grandes empresas, organismos internacionais e 3º setor; foi empreendedor em mineração; é chefe de gabinete da secretaria-executiva no Ministério do Empreendedorismo.