Quem é o “advogado do além” que ficou milionário ressuscitando mortos

Daniel Nardon, o “advogado do além“, construiu uma vida de luxo sobre as ruínas de aposentados, servidores públicos e até pessoas já mortas ou em estado vegetativo. Apontado como líder de um esquema bilionário de fraudes judiciais, Nardon foi o principal alvo da Operação Malus Doctor, deflagrada nessa quinta-feira (8/5) pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul.

No papel, Daniel era sócio de um escritório de advocacia e presidente de associações de defesa de consumidores e servidores públicos. Na prática, de acordo com a polícia, era o cérebro de um grupo criminoso que falsificava procurações, contraía empréstimos em nome de terceiros e ajuizava ações sem o conhecimento dos próprios autores, muitos deles mortos, incapacitados ou alheios à existência do processo.

Segundo a investigação, o escritório chegou a ajuizar mais de 145 mil ações judiciais, sendo 112 mil no Rio Grande do Sul e 30 mil em São Paulo, quase sempre com o mesmo padrão usando documentos padronizados, comprovantes de residência clonados e múltiplas ações em nome da mesma pessoa. Em alguns casos, uma única vítima somava até 30 ações.

Enquanto os clientes acreditavam estar entrando com processos para reduzir juros abusivos, o grupo usava procurações em branco para contratar novos empréstimos em nome das vítimas.

O dinheiro era depositado na conta delas, e os fraudadores se apresentavam como os responsáveis pela “vitória” judicial, cobrando honorários de até 30% do valor. Ao mesmo tempo, embolsavam também os valores obtidos nas ações ajuizadas — quase sempre sem o consentimento dos clientes.

Ostentação

Com a movimentação financeira gerada pelo esquema, o advogado passou a ostentar uma vida incompatível com sua atividade formal. Daniel financiou a construção de um condomínio de 17 casas na zona sul de Porto Alegre, onde residia e mantinha negócios. Cada unidade está avaliada em R$ 850 mil.

Além disso, a Polícia Civil apreendeu carros de luxo, incluindo um Maserati de R$ 480 mil registrado em nome do filho de Daniel, além de uma BMW e um Mercedes. O grupo também mantinha ativos na bolsa de valores e tentava negociar um prédio avaliado em R$ 10 milhões no bairro Menino Deus.

Ao todo, cerca de 30 veículos, avaliados em R$ 2,8 milhões, estavam em nome do núcleo principal e de empresas associadas ao grupo. Cinco foram apreendidos na operação. Contas bancárias dos 14 investigados foram bloqueadas.

Aliciamento de vítimas

Para captar clientes, o grupo fundou duas associações, uma voltada a consumidores e outra a servidores públicos, comandadas por familiares de Nardon. As entidades atuavam como pontes de confiança, convencendo aposentados, professores estaduais e policiais militares a assinarem documentos que, sem saber, davam plenos poderes ao grupo para movimentar seus dados, contratos e contas bancárias.

Os contatos eram feitos principalmente por meio de convênios com entidades de classe. Os alvos recebiam ofertas para ajuizar ações contra instituições financeiras, acreditando estarem contratando um serviço legítimo. Mas assinavam, na verdade, procurações com poderes para contratação de empréstimos, geralmente com cláusulas genéricas ou em branco.

A polícia estima que o grupo tenha movimentado cerca de R$ 50 milhões, com pelo menos 10 mil vítimas, embora apenas 50 tenham sido identificadas formalmente até agora. A investigação teve início após o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul identificar inconsistências e padrões suspeitos em uma enxurrada de ações judiciais originadas pelo escritório de Daniel.

Entre as descobertas mais graves, está o uso de nomes de pessoas falecidas ou em estado vegetativo como autores das ações. Em alguns casos, os mesmos documentos de comprovação de residência eram utilizados para diferentes nomes, em cidades distintas. Uma ação podia ser aberta em nome de alguém que sequer sabia que havia processo em seu nome — ou, pior, que não estava mais vivo.

Durante a operação, foram cumpridos 74 mandados judiciais, sendo 35 de busca e apreensão, em Porto Alegre, Glorinha e Xangri-lá. A esposa e a cunhada de Nardon foram detidas com munições de uso restrito e R$ 16 mil em espécie. A mulher de Daniel foi presa em flagrante.

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