Dados atualizados que constam em ação da Advocacia-Geral da União (AGU) contra entidades da “farra do INSS” mostram que as associações ligadas a Antonio Carlos Antunes, conhecido como “Careca do INSS”, arrecadaram cerca de R$ 1,3 bilhão com os descontos entre 2021 e março de 2025.
Segundo dados da investigação, seis entidades que repassaram valores ao lobista tiveram aumento expressivo na arrecadação por meio dos descontos nos últimos anos. A suspeita que recai sobre Antunes é de que ele teria atuado junto a funcionários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para beneficiar as entidades.
Como mostrou a coluna, há pelo menos três pessoas apontadas como operadores na fraude no INSS: Antonio Carlos Camilo Antunes (foto em destaque), a advogada Cecília Rodrigues Mota e Cícero Marcelino.
Todos eles são citados em representação da PF como tendo transações financeiras suspeitas, inclusive com entidades investigadas no esquema, além de suspeitas de ligação com pessoas que exerciam cargos dentro do INSS.
Passadas duas semanas da operação Sem Desconto, deflagrada para combater as fraude contra aposentados e pensionistas do INSS, a AGU anunciou na manhã de quinta-feira (8/5) que protocolou uma ação contra as principais entidades envolvidas no esquema.
O objetivo é alcançar os bens dos investigados na operação para custear a devolução dos descontos indevidos na folha de pagamento do INSS. A ação também mira seis empresas que estaria ligadas a Antunes e a ex-diretores do órgão.
Veja as entidades ligadas ao “careca do INSS”, segundo a PF
- Associação de Aposentados Mutualista para Benefícios Coletivos (AMBEC)
- Confederação Brasileiros dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA)
- Associação de Suporte Assistencial e Beneficente para Aposentados Servidores e Pensionistas do Brasil (ASABASP)
- Associação no Brasil de Aposentados e Pensionistas da Previdência Social (AP Brasil)
- Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (CEBAP)
- União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos (UNASPUB)
O escândalo do INSS foi revelado pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro de 2023. Três meses depois, o portal mostrou que a arrecadação de 29 entidades com descontos de mensalidade de aposentados havia disparado, chegando a R$ 2 bilhões em um ano, enquanto elas respondiam a milhares de processos por fraude nas filiações de segurados.
As reportagens do Metrópoles levaram à abertura de inquérito pela PF e abasteceram as apurações da Controladoria-Geral da União (CGU). Ao todo, 38 matérias do portal foram listadas pela PF na representação que deu origem à Operação Sem Desconto, deflagrada no dia 23/4 e que culminou nas demissões do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do ministro da Previdência, Carlos Lupi.
Segundo a PF, o careca do INSS é sócio de uma “miríade de empresas”, muitas das quais estariam envolvidas na “farra do INSS”, em especial a Prospect Consultoria -que também entrou na mira da ação protocolada pela AGU. Foi por meio dessas empresas que ele teria recebido das associações.
Ex-superintendente de marketing de uma gigante do ramo de planos de saúde, ele é tido como principal operador do esquema e seria o responsável por obter, por meio do INSS, dados cadastrais de beneficiários, repassando as informações para as entidades acusadas de fraudar filiações para cobrar mensalidades indevidas.
Dessas entidades ligadas ao careca, a que arrecadou mais dinheiro por meio dos descontos foi a Ambec, que totalizam R$ 500,9 milhões entre dezembro de 2021 e março de 2025.
Segundo a CGU, a arrecadação da entidade em 2021 foi de R$ 135. Já no ano seguinte, o valor aumentou 110 mil vezes, somando R$ 14,9 milhões. Em 2023, mais um salto: R$ 91,3 milhões.
Como mostrou o Metrópoles, o careca do INSS recebeu, por exemplo, procuração para atuar pela Ambec perante o INSS.
Outra entidade, a Unaspub, tem o primeiro registro de valores em descontos em 2022, quando recebeu R$ 8,4 milhões. Em 2023, houve um salto para R$ 54,3 milhões, incremento equivalente a 541%. A entidade somou, desde julho de 2022, o montante de R$ 267,3 milhões em descontos.
A AP Brasil também tem arrecadações que remontam a 2022. Desde então, ganhou R$ 137 milhões. O valor arrecadado em 2023, segundo a CGU, foi de R$ 16 milhões.
Quanto as demais entidades que teriam transacionado com o “careca do INSS”, os valores começaram a ser arrecadados mais recentemente, apenas em 2023. São elas a CBPA (total de R$ 221,8 milhões até março de 2025), Asabasp (R$ 22 milhões) e Cebap (R$ 195 milhões).
Todas as seis constam no relatório como sendo remetentes de valores para uma das empresas de Antonio Carlos, a Prospect Consultoria. Os repasses de algumas delas também teriam ocorrido por meio de outras empresas do operador, como a Acca Consultoria e a Brasil Consultoria.
Para a Prospect, por exemplo, a Ambec teria enviado, segundo a PF, cerca de R$ 11,9 milhões. Já a CPBA, R$ 4,6 milhões. O valor mais alto teria vindo da Unaspub, responsável pelo envio de R$ 12 milhões.
No caso das demais, os valores foram relativamente mais baixos, com o envio, pela AP Brasil, de R$ 1,3 milhão, outros R$ 544 mil pela Cebap e mais R$ 73 mil pela Asabasp.
Fluxograma feito pela PF e incluído no relatório mostra a trilha financeira da entidades com o “careca do INSS”.
Em outros fluxograma, a PF também mostra transferências das entidades para outras empresas ligadas a Antunes. É o caso, por exemplo, do pagamento, pela CBPA, de R$ 3,3 milhões por meio da ACCA Consultoria Empresarial.
“Ao todo, portanto, pessoas físicas e jurídicas relacionadas a Antonio Carlos Camilo Antunes receberam R$ 48.133.789,76 diretamente de entidades associativas e R$ 5.452.899,34 de empresas intermediárias relacionadas às entidades associativas, totalizando R$ 53.586.689,10”, afirma a representação da PF.
O careca do INSS também é suspeito de fazer repasses para integrantes do próprio INSS. Como mostrou a coluna, a PF afirma que o ex-diretor de Benefícios do órgão recebeu R$ 1,4 milhão diretamente dele. Já o procurador afastado do órgão teria recebido R$ 7,5 milhões.
Alexandre Guimarães, ex-diretor de governança do INSS, também teria recebido valores do “careca do INSS”, conforme relatou a coluna.
“Antonio Carlos Camilo Antunes, por sua vez, enviou R$ 9.329.550,53 para pessoas físicas e jurídicas relacionadas a servidores do INSS”, diz o documento”, diz a PF.
Defesa
Em resposta à coluna, a Asabasp destacou que ainda não teve acesso formal à auditoria na entidade ou informações detalhadas sobre os associados entrevistados, mas que, em relação aos dados apresentados na auditoria da Polícia Federal e CGU, está apurando internamente as alegações de descontos não autorizados mencionados no levantamento.
“Reafirmamos nosso compromisso com a transparência e com a regularidade de nossas operações, sempre buscando a melhor solução para nossos associados, assim que tivermos acesso a todos os dados relevantes. Colocamo-nos à disposição para eventuais esclarecimentos adicionais, assim que concluirmos nossa análise interna e tivermos acesso às informações da auditoria”, disse em nota.
Já a AP Brasil afirmou que “o trabalho desenvolvido por nós é tão somente representar os nossos associados perante as demandas objeto do trabalho desenvolvido pela instituição, além disso, poder proporcionar benefícios que justifique o valor mensal da mensalidade paga à Associação”.
Também disse que “preza sempre pela transparência, ética e principalmente o respeito pelos nossos associados e ao público em geral”.
Questionadas, a Ambec e a Cebap disseram que não irão se manifestar. Em nota da defesa quando da deflagração da operação Sem Desconto, ambas entidades negaram praticar “atividade ostensiva de captação, prospecção e afiliação de seus associados, sendo tais atividades praticadas por empresas privadas diversas, de forma que, se qualquer fraude ocorreu, a associação é tão vítima quanto seus associados”.
As demais entidades não enviaram resposta à coluna.