Como já temos jornalistas demais dizendo o que Leão XIV deve fazer ou deixar de fazer no seu pontificado, prefiro me concentrar no estilo do americano Robert Francis Prevost — ou do que desse estilo se viu e se sabe até agora.
Ao escolher o nome de outros papas, e um dos mais recorrentes, ele retoma a tradição quebrada por Francisco e volta a dar um sentido de continuidade aos pontificados.
Os paramentos papais com os quais ele assomou ao balcão da Basílica de São Pedro, paramentos que o seu antecessor se recusou a usar, como se fossem apenas sinal de riqueza, são outra mostra da sua reverência à tradição e aos seus símbolos. Para ficarmos em apenas duas peças, a mozeta vermelha remete à autoridade do papa; a estola vermelha, por sua vez, representa o bom pastor que carrega as suas ovelhas sobre as ombros.
A atenção à tradição é coerente com a sua formação. Ele é um homem cultivado, ao contrário de Francisco, que era muito fraco intelectualmente, na avaliação dos seus próprios pares. Leão XIV estudou matemática (eis um papa que sabe fazer contas para tentar salvar o Vaticano da bancarrota), filosofia, teologia e direito canônico.
Fato revelador de uma mente saudavelmente inquieta: Prevost assina um paper, publicado pela Oxford University Press, no qual discute o trabalho de dois filósofos que tentam explicar a fé religiosa de acordo com cálculos de probabilidade. Deve ser, imagino, um leitor do matemático e filósofo francês Blaise Pascal, autor da famosa aposta segundo a qual a crença em Deus obedece a uma lógica racional.
Como estudou direito canônico em Roma, depreende-se que domina perfeitamente o latim, a língua oficial da Igreja Católica, além do inglês nativo (que usou na introdução da sua primeira missa como papa, celebrada na Capela Sistina para o colégio cardinalício), do italiano obrigatório e do espanhol da sua missão no Peru.
Ele também se expressa bem em português e, ao que dizem, em francês. Saímos, assim, do quase monolinguismo do papa argentino, que não era empecilho para a comunicação com as massas, mas era bastante limitador na abrangência das leituras e na interlocução com os grandes do mundo. O novo papa um perfeito agostiniano, ordem de grande refinamento cultural, embora sem o caráter enciclopédico dos beneditinos, considerados guardiões do saber (aspecto central de O Nome da Rosa, de Umberto Eco, como deve lembra quem leu o romance).
Há de se registrar que Leão XIV, ao dirigir-se à multidão reunida na Praça de São Pedro para aclamá-lo, inovou ao ler um texto, escrito sabe-se lá quanto tempo antes da sua eleição. Ele usou de técnica oratória excelente nos tons e nas pausas, tal como se costumava ensinar nas escolas anglo-saxãs. A leitura durou nove minutos, o tempo exato para dar o recado e não cansar ninguém, como bem notaram na imprensa italiana. O recado: paz desarmada e desarmante tanto no mundo como no interior da Igreja dividida.
Há uma discussão em Chicago para saber se Leão XIV é torcedor do Cubs ou do White Soks, os dois grandes times de baseball da cidade. Baseball é o esporte preferido do novo papa, mas ele gosta — ou gostava, visto que lhe falta tempo — de jogar tênis. Considera-se um “bom diletante”. Não será um segundo “Atleta de Cristo”, como o esquiador João Paulo II, mas quem não gostaria de ter a oportunidade de o ver em quadra?
Insiste-se, em Roma, para que Leão XIV passe a morar no Palácio Apostólico, assim como fizeram os demais pontífices desde 1870, à exceção de Francisco. O argumento do papa argentino era que morar na Casa Santa Marta lhe permitia ter convívio humano. Na verdade, Francisco tinha um andar inteiro reservado para ele no hotel do Vaticano e fazia as refeições com os demais hóspedes só no início do pontificado.
No campo do comportamento, Robert Prevost obedece igualmente ao figurino exigido de alguém no comando de uma instituição com mais de dois milênios de história, e não esqueçamos que essa história inclui princípios doutrinários bem sedimentados. O novo papa tem ideias rígidas sobre família, gênero e sexualidade, o que o torna apenas um religioso católico mais conservador do que os menos conservadores — ou seja, aqueles propensos a pequenos acenos resignados ou apenas populistas à modernidade. Tal é a divisão dentro da Igreja, entre os diferentes graus de conservadorismo. O progressismo católico é uma invenção da esquerda de batina.
Trata-se de uma falsa divisão, a de conservadores e progressistas, mesmo quando se usa a terminologia como facilitação jornalística. Um papa pode ser mais conservador no que diz respeito a aspectos comportamentais e menos conservador (no sentido de menos à direita no espectro político-ideológico) na sua visão das relações econômicas, do universo do trabalho e do problema da imigração ilegal.
É o caso de Leão XIV, que já mostrou não comungar integralmente da cartilha trumpista, o que o leva a ser considerado “marxista” por partidários do presidente americano e “progressista” pela esquerda sem fronteiras. Uma gente açodada, evidentemente, para dizer o mínimo, e que não conhece a advertência de Paulo VI aos cardeais, dada há mais de meio século: “Cuidado com a ira dos pobres”.
Para ser lema do seu pontificado, Leão XIV escolheu “In Illo uno unum”, palavras usadas por Santo Agostinho para expressar a ideia de que os cristãos, muitos na sua variedade, são um só sob Cristo. Está aí o programa do seu pontificado: unidade nas diferenças. Unidade na tradição, mas sem perder a ternura, sempre no melhor estilo.