Na vastidão da natureza, comportamentos surpreendentes frequentemente escapam ao olhar humano. Um deles é o uso de substâncias psicoativas por animais, um fenômeno intrigante que pode ter finalidades medicinais, recreativas ou até mesmo sociais. De onças na Amazônia até renas do Ártico, diversas espécies já foram observadas ingerindo, inalando ou lambendo substâncias com efeitos semelhantes aos de drogas alucinógenas usadas por humanos.
“O que motiva o consumo de alucinógenos em animais não é muito diferente do que conosco. Alterar a consciência é um hábito humano comum de crianças brincando de rodar a adultos consumindo psicotrópicos. Às vezes a realidade é chata até para eles, e é uma oportunidade de escapar dela”, afirma o professor de zoologia na Universidade de Brasília (UnB), Eduardo Bessa.
Casos e comportamentos misteriosos
Um dos exemplos mais antigos e citados é o das cabras que teriam ajudado a descobrir o café. Reza a lenda que um pastor notou o comportamento alegre de suas cabras após comerem frutinhos vermelhos de um arbusto. Ele então decidiu provar, e para sua surpresa, sentiu uma energia de forma quase instantânea, descobrindo assim o café.
Nesse ponto, as pequenas semelhanças entre os humanos e os animais começam a aparecer. A Organização Mundial da Saúde (OMS), considera a cafeína como droga estimulante do sistema nervoso central, juntamente com as anfetaminas, a nicotina e a cocaína. Provocando nos humanos os mesmos efeitos, de energia, aumento da capacidade de concentração e redução da sonolência e do cansaço.
Roedores, por sua vez, consomem brotos e flores da planta conhecida como Glória da Manhã, que contém alcaloides semelhantes ao LSD. Curiosamente, evitam as sementes, onde a concentração é mais elevada, talvez por instinto de autopreservação.
Entre os primatas, os mandris africanos ingerem raízes de Iboga, uma planta com potente efeito alucinógeno usada também em rituais humanos. Já as onças da Amazônia foram flagradas roendo a casca do cipó yagé — base da ayahuasca. Segundo o biólogo Carlos Eduardo Nóbrega, existem registros de que, após o consumo, esses grandes felinos demonstraram comportamentos atípicos: movimentos mais suaves, aparente relaxamento e uma postura menos agressiva.
“Pode ser que os efeitos sejam realmente alucinógenos. Mas também há hipóteses de automedicação gastrointestinal. Como os gatos que comem grama, talvez a onça estivesse tentando aliviar um desconforto interno”, pondera o especialista.
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— Kitty Cat Empire (@KittyCatEmpire) April 20, 2025
Do álcool ao cogumelo alucinógeno
Insetos também entram na lista. As mosquinhas drosófilas, que marcam presença constante em fruteiras, mostram preferência por frutas mais fermentadas, especialmente após serem rejeitadas por fêmeas, segundo um estudo curioso. Ou seja, elas literalmente “bebem para esquecer”, porém, é difícil saber se vivem a famosa “ressaca”.
Na Austrália, Wallabies, conhecidos como ‘minis cangurus’ já foram flagrados em plantações de papoula, matéria-prima derivada do ópio, aparentemente sob o efeito da planta. E até as renas do Ártico, tradicionalmente associadas ao Natal, já foram vistas consumindo cogumelos do tipo Amanita muscaria, conhecidos por seus efeitos psicodélicos intensos.
Não é preciso ir longe avistar animais utilizando tais substâncias. Existe a probabilidade de os próprios ‘pais de pets’ financiarem o uso, em exemplo os gatos domésticos, que se entregam à conhecida erva-do-gato (catnip) ou à valeriana, ambas com efeitos eufóricos e relaxantes.
Instinto, medicina ou prazer?
O grande questionamento que permanece entre os pesquisadores é: o que motiva esses comportamentos? Estaria o animal buscando prazer? Uma cura? Ou apenas seguindo um instinto?
“Ainda não conseguimos delimitar com precisão qual é a relação dos animais com essas substâncias. A ciência precisa avançar muito para entender o que se passa na mente deles”, afirma Carlos Eduardo.
Esse campo de estudo, conhecido como zoofarmacognosia, ainda é recente, entretanto vem ganhando espaço. Estudos mostram que o uso de substâncias não é aleatório e pode envolver conhecimento ancestral, aprendizado por observação ou puro acaso que levou à repetição por prazer. O conceito de evolução não vai longe, até porque, o ser humano é uma evolução daquilo que ainda caminha junto a ele.
Como um espelho
A semelhança entre o comportamento humano e animal diante das substâncias alucinógenas é inegável. Seja para aliviar dores, escapar da realidade ou experimentar sensações novas, os animais mostram que o impulso de alterar a consciência talvez seja algo mais natural do que imaginamos.
Enquanto a ciência tenta desvendar as razões por trás desse fenômeno, a certeza é que a natureza, revela que comportamentos complexos e surpreendentes não são exclusividade da nossa espécie.